PROFESSORA CRITICA FALA DE AGRIPINO
O texto que segue é longo e foi escrito especialmente para este blog a meu pedido. Merece uma leitura atenta e reflexiva. Seu autor é a professora Maria Luiza Tonelli. Confiram:
O Senador José Agripino Maia (DEM-RN), ao conceder uma entrevista ao jornal Tribuna do Norte (11/04/2010), respondeu à pergunta sobre a capacidade de transferência de popularidade do Presidente Lula à ex-ministra Dilma Rousseff afirmando que há uma diferença entre exercer a função administrativa de Ministério e ter o apoio político, (como administradora) de um presidente que goza de grande popularidade. Segundo o senador, dificilmente o presidente Lula transferirá sua popularidade a Dilma, por maior que seja seu prestígio, porque “só se consegue transferir votos ou a capacidade eleitoral para alguém que tenha capacidade para receber esses votos”. Por mais que um líder popular deseje transferir seus votos é muito difícil que isso aconteça quando o candidato não possui essa “capacidade” e é isso que ocorre com “uma candidata como Dilma”. Segundo Agripino Maia, em seus primeiros passos na condição de candidata, Dilma “não mostrou muita habilidade política”. Ter ido a Minas Gerais “em busca demagogicamente do voto mineiro”, ter ido ao túmulo de Tancredo Neves, que não teve o apoio do PT (porque o partido era contra eleições indiretas, vale salientar) e sair “pregando o voto Anastadilma”, tudo isso é a prova, para o senador do DEM, que Dilma deu “uma rateada política” em sua primeira “primeira investida na campanha sem a companhia de Lula”.
Não obstante Dilma Vana Rousseff, nascida em 14 de dezembro de 1947, em Uberaba, Estado de Minas Gerais, ter exercido os cargos de secretária da Fazenda da Prefeitura de Porto Alegre (1986-89), de presidente da Fundação de Economia e Estatística do Estado do Rio Grande do Sul (1991-93), de secretária de estado de Energia, Minas e Comunicações nos governos Alceu Collares (PDT) e Olívio Dutra (PT), de ter coordenado a equipe de Infra-Estrutura do Governo de Transição entre o último mandato de Fernando Henrique Cardoso e o primeiro do presidente Lula, tornando-se membro do grupo responsável pelo programa de Energia do governo petista, de ministra da pasta das Minas e Energia entre 2003 e junho de 2005, passando a ocupar o cargo de Ministra-Chefe da Casa Civil em junho de 2005, nada disso fará de Dilma uma pessoa “capacitada” nem “habilitada” a ser candidata a presidente da república, se comparada, obviamente, ao candidato oposicionista José Serra, que tem em seu curriculum os ministérios do Planejamento e da Saúde do governo FHC e, principalmente, o fato de ter sido prefeito e governador da cidade e do Estado de São Paulo. A manifestação da opinião do senador Agripino de que Dilma não tem “capacidade” para receber votos “transferidos” do presidente Lula e nem “habilidade” política poderia ser interpretada como a manifestação da opinião de alguém que, obviamente, no jogo político tem o direito de defender a superioridade de seu candidato ou candidata em detrimento do adversário, mesmo de forma subliminar, como fez o senador.
Porém, o que chama a atenção na entrevista é que, ao final, José Agripino faz a seguinte indagação: “Quem é que pode me assegurar que esse não vai ser o comportamento de uma candidata que não está suficientemente adestrada para ser candidata a presidente da República”? Para o senador “É preciso que um candidato reúna condições para receber a disposição do líder popular em transferir os seus votos”.
É de se indagar:
1) o que o senador José Agripino quis dizer com o termo “adestrada”?
2) o senador usaria o mesmo adjetivo caso se tratasse de um candidato do sexo masculino?
3) José Agripino colocaria em dúvida, o “comportamento”, a “capacidade” e a “habilidade” de um eventual candidato, ao invés de uma candidata?
4) Qual seria a resposta a essas questões, de um senador que ajudou a eleger a prefeita de Natal e agora tem como candidata a governadora a senadora Rosalba Ciarlini? Um senador que representa um estado, como raros no Brasil, a ser governado duas vezes por uma mulher, Vilma de Faria, que, inclusive, já foi prefeita mais de uma vez e que agora compete com ele a uma vaga no Senado da República.
O Rio Grande do Norte, representado no Senado por José Agripino, tem seguramente um lugar de destaque na luta pelos movimentos feministas. Em 1928, na cidade de Mossoró, Celina Guimarães foi a primeira eleitora do Brasil, fato que deu início a um grande movimento nacional que levou mulheres de outras cidades do RN e de outros estados da Federação a tirarem seu título eleitoral.
Foi no RN que Luiza Alzira Soriano, nascida em 1897, disputou as eleições em 1928 para Prefeito no município de Lages, tendo vencido o pleito contra seu adversário, com 60% dos votos. Alzira foi a primeira prefeita eleita no Brasil e na América do Sul.
Na cidade de Currais Novos, no estado do RN nasceu, em 1910, Maria do Céu Fernandes de Araújo, que disputou as eleições para a Assembléia Legislativa, sendo eleita em 1934. Foi a primeira Deputada Estadual do Brasil e da América do Sul. Tais exemplos mostram que mesmo no Brasil da República Velha onde reinava o sistema coronelístico-oligárquico as mulheres do RN estiveram na vanguarda das lutas feministas. Mulheres que ousaram enfrentar uma sociedade que era moldada pelos padrões aristocráticos, conquistando direitos civis e políticos.
Mulheres que saíram do lócus seguro do lar, do jugo dos senhores pais e maridos, para adentrar na vida pública. Vale ressaltar que as reivindicações e conquistas feministas por igualdade no RN, nas primeiras décadas do século passado, são vitórias de mulheres de fibra, coragem e determinação num país marcado pelo machismo da sociedade moldada pelo modelo patriarcal, até os dias de hoje.
Todavia, temos que reconhecer que nada disso seria possível sem que no estado do senador José Agripino houvesse homens capazes de reconhecer a capacidade, a habilidade e o direito das mulheres de terem uma chance de participar da vida pública. Foram aquelas mulheres que abriram o caminho para o Brasil eleger, quem sabe, sua primeira presidenta da República.
Num país onde a maioria das mulheres ainda se encontra numa situação de desvantagem em relação aos homens, talvez uma mulher na presidência da república signifique o salto que precisamos para promover uma participação maior das mulheres na vida política. Ninguém deve votar numa mulher apenas pelo fato de ser mulher, mas por ser capaz de reconhecer numa pessoa do sexo feminino qualidades e condições de presidir um país onde possamos desenvolver uma cultura de direitos e respeito pelo outro.
Nós, mulheres, queremos viver numa sociedade igualitária e livre, onde nenhum homem questione, no terceiro milênio, se uma mulher está “suficientemente adestrada” para qualquer coisa que seja, para qualquer coisa que faça, para qualquer posição que ocupe. Discriminação, numa democracia, também é tortura.
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