sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Maligna bancada ruralista

Deputados e senadores ligados ao agronegócio empenham-se em demonstrar ao distinto público que é na legislação ambiental que se encontra boa parte dos males do campo brasileiro


Marcio Astrini

Há doze anos, Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, usou esse título em um artigo que desvendava para seus leitores as artimanhas da bancada ruralista no Congresso para assaltar os cofres do Tesouro e chantagear o governo. O título ainda caberia muito bem para descrever a carga ruralista contra o Código Florestal.

Deputados e senadores ligados ao agronegócio empenham-se em demonstrar ao distinto público que é na legislação ambiental que se encontra boa parte dos males do campo brasileiro. É por causa dela, insistem, que as áreas de plantio no Brasil vão rarear e o preço dos alimentos vai subir. Puro palanque. No mundo real, as coisas são diferentes.

Para o IBGE, há quase 5 milhões de analfabetos no campo. A agricultura familiar, responsável pela produção de cerca de 70% dos alimentos básicos que vão à mesa dos brasileiros recebe menos de 15% do total de crédito agrícola do país e as políticas de reforma agrária estão longe de serem implementadas.

E da porteira pra fora os problemas não são menores. No Estado do MT, um dos maiores produtores de grãos do país, o prejuízo devido à precariedade da infraestrutura para escoar a safra chega a 30% do volume bruto. No Brasil, pelo mesmo motivo, estima-se que as perdas cheguem próximas à casa dos R$ 4 bi ao ano.

Além disso, o mau uso da terra, aliado à falta de transferência de tecnologia, principalmente para o pequeno agricultor, compõe um cenário desolador. Para a Embrapa, poderíamos dobrar nossa produção de alimentos utilizando melhor o solo, principalmente na vastidão de terras ocupadas por pastos. Comprovando isso, uma pesquisa realizada pelo professor Gerd Sparovek (ESALQ/USP) apontou que o total de terras de média e alta produtividade que se encontram subutilizadas por pastagens chegam à casa dos 61 milhões de hectares, quase que o total da área atualmente utilizada pela agricultura brasileira. Como se vê, não é no Código Florestal que residem nem os principais problemas nem as soluções para quem semeia a terra no Brasil.

A implementação de uma política agrícola moderna, que levasse a preservação ambiental à conta de parceiro estratégico, fortaleceria a competitividade do setor agropecuário, aumentando inclusive a lucratividade por hectare e provocando uma efetiva frente de distribuição de renda ao pequeno agricultor, fixando-o, com dignidade, no campo. E, de quebra, sem a necessidade de desmatar mais nenhum palmo de terra.

Como qualquer lei, a das florestas também pode ser aprimorada. Mas ao invés de se construir um caminho para alçar a natureza ao posto de diferencial competitivo do campo brasileiro, o que se fez foi um texto que só tem olhos para o passado, de forma a reproduzir seus erros, agravar as injustiças no meio rural e facilitar a vida de quem lucra com o desmatamento e sempre apostou na impunidade.

O conteúdo da proposta ruralista para a alteração do Código trata, por exemplo, a tomada de terra secular do sul e o agricultor, que pelo Estado foi levado a desbravar a Amazônia na década de 1950, da mesma forma que o desmatador recente. Equivale quem ilegalmente tombou mata para o acúmulo fundiário ao produtor que investe em produtividade ou aquele que da terra faz seu ganha pão. Perfilou o crime e o justo e não separou o social do imoral. A obra ruralista nivelou o setor pela parte mais rasa.

Como resultado, além de esvaziar a agenda do que realmente é importante, ainda emperrou as justas mudanças na lei florestal que poderiam ser rapidamente efetivadas para atender a quem tem de fato esse direito, ou àqueles que, por sua condição social, merecem tratamento diferenciado na lei, como a agricultura familiar. Escolheram o caminho do autobenefício político e econômico.

Em 1999, em seu artigo, o ex-ministro Maílson ainda referiu-se aos ruralistas como tendo força e irresponsabilidade suficientes para aprovar seus projetos. Infelizmente, a análise continua atual. É preciso reagir.

Marcio Astrini é integrante da campanha da Amazônia do Greenpeace Brasil. 
 
 

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