terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A outra face do poder


Por Delfim Netto


Duas circunstâncias em que os fados estiveram fortemente empenhados em ajudar e uma terceira na qual deu extraordinária demonstração de competência explicam por que o presidente Lula entra no último ano de seu segundo mandato no auge do prestígio planetário e com índices domésticos de aprovação inebriantes.

É o sucesso da economia que elevou o seu governo ao patamar de popularidade que tanto perturba o raciocínio dos partidos da oposição. Eles têm realmente motivos de angústia, quando vai se consolidando a expectativa de que a economia não vai crescer menos do que 5% (com risco de pular além de 6%) no ano das eleições gerais que vão desenhar a nova face do poder nacional.

Antes da crise das finanças mundiais, ainda era aceitável o argumento de que tudo dependeu de sorte. O Brasil foi empurrado pelo vento de cauda proporcionado pela rápida expansão da economia mundial a partir de 2002, que elevou os preços das exportações agrícolas e dos minérios. Isso permitiu eliminar a restrição externa em seis anos, graças ao aumento do valor dos saldos do comércio (sem fazer nenhum esforço exportador e com uma política cambial deplorável).

Tudo bem que se tratou de um bônus que recebemos do exterior, mas o resultado só aconteceu porque nossa agricultura soube responder ao aumento da demanda mundial, graças aos enormes ganhos de produtividade proporcionados pelas pesquisas da Embrapa e à disposição dos empresários do setor. Foi o trabalho do nosso agropecuarista, mais a perseverança do governo na melhora da política agrícola e das pesquisas, que permitiu ao Brasil aproveitar “a maré de sorte que acompanha Lula”...

Da mesma forma, no caso das exportações de minérios, não há por que atribuir aos fados o sucesso brasileiro, porque nos preparamos durante muitos anos para atender ao aumento da demanda mundial. E o fizemos com eficiência, de sorte a bater os competidores na hora de saciar a gula chinesa, sem faltar aos demais clientes.

O segundo bônus que recebemos nesse período abençoado dos deuses é a descoberta do pré-sal: a confirmação da existência das enormes reservas de petróleo submarino, ao alcance de nossa capacidade de extração. O significado disso é simplesmente poder garantir que o Brasil se libertou da dupla ameaça ao seu desenvolvimento: o suprimento de energia e as interrupções causadas pelas crises do balanço de pagamentos.

A terceira circunstância a que me referi no início foi a forma como o governo (e particularmente o presidente Lula) deu a volta por cima na crise financeira, surpreendendo o mundo (e o próprio Brasil) pela rapidez com que a nossa economia se livrou da recessão. Diante da tempestade que varreu os mercados de trabalho e impediu o crescimento da economia mundial, a performance brasileira foi altamente competente, extraordinária, mesmo. A principal façanha foi que se evitou no Brasil a tragédia do desemprego nos termos em que ela atingiu os demais países.

Num ano em que fábricas fecharam e milhões de postos de trabalho foram suprimidos nos países industrializados (sem poupar os emergentes), o Brasil fez a diferença. O acerto das políticas do governo reduziu ao mínimo o período recessivo, ao estimular a produção e facilitar o crédito ao consumo. O apelo direto do presidente convenceu o trabalhador de que, se ele não parasse de consumir, seu emprego estaria mais garantido. Funcionou. O brasileiro não parou de comprar e hoje o emprego retornou praticamente aos níveis em que se encontrava antes da crise. Esta foi a ação decisiva. Na medida em que se manteve o ritmo do emprego, sustentou-se o salário real, que é o que garante a demanda privada interna e ajuda a manter o nível de renda.

A economia brasileira chega ao fim do ano com um PIB ligeiramente positivo em relação a 2008 (que foi de grande crescimento) e, mais importante, com uma expansão já contratada de 5%, no mínimo, para 2010. Adquirimos musculatura para um crescimento maior e estável nos próximos anos, com inflação controlada e um nível bastante confortável de reservas (239,5 bilhões de dólares em 1º de dezembro de 2009).

Há tensões que precisarão ser administradas com mais sabedoria durante este ano eleitoral, quando o governo terá de reduzir a sua demanda para permitir que a demanda privada volte ao papel que cumpria anteriormente. E não pode retardar mais as ações capazes de fazer voltar o câmbio a níveis de equilíbrio, de sorte a impedir a destruição do setor industrial exportador, que já está se processando.

Fonte: http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=5747

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