quarta-feira, 7 de abril de 2010

Poder de compra é o maior em 14 anos


Salário mínimo, que aumentou 9,5% em um ano, é capaz de adquirir 1,8 cesta básica do Dieese


João Villaverde, de São Paulo – VALOR


A inflação de preços tem incomodado analistas e pressionado o Banco Central, que sinaliza aumento nas taxas de juros, mas não tem atingido os consumidores neste começo de ano. O salto de 9,5% no salário mínimo, entre janeiro de 2009 e janeiro de 2010, combinado a uma alta mais suave na taxa acumulada em 12 meses de produtos cruciais, como alimentos e bebidas, e à redução do custo da cesta básica, tem permitido melhora do poder de compra. Em janeiro e fevereiro, um salário mínimo adquiria cerca de 1,8 cesta básica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudo (Dieese) – o poder de compra mais elevado desde abril de 1996, segundo levantamento da LCA Consultores.

Os cálculos do economista Fábio Romão, da LCA, levam em conta o custo de uma cesta básica e o salário mínimo. Nos últimos anos, os resultados mais fracos foram alcançados nos primeiros meses de 2008, graças à alta nos preços dos alimentos, influenciados pela explosão nos preços das commodities – fenômeno provocado pela crise mundial, em
setembro daquele ano. Mesmo o reajuste no mínimo concedido pelo governo em 2008 – que, em março, passara de R$ 380 para R$ 415 – não foi suficiente para compensar o salto no preço da cesta básica, de R$ 259,3, em fevereiro, para R$ 301,4, em junho. Assim, um salário mínimo comprava apenas 1,38 cesta básica em junho de 2008. De lá para cá, o poder de compra do salário mínimo cresceu 23,3%.

No entanto, segundo os economistas ouvidos pelo Valor, esse nível recorde não deve continuar neste ano. “Se os resultados referentes ao mês passado dos índices de inflação ao consumidor ficarem próximos a 0,5%, ainda que em queda frente aos cerca de 0,8% apurados em janeiro e fevereiro, teremos uma alta acumulada de 2% no primeiro trimestre, o que já implica um ano mais ’salgado’ que 2009″, afirma Tatiana Pinheiro, analista do Santander. Para ela, a inflação pode diminuir o ganho real do mínimo ao longo do ano.

Romão calcula que a cesta básica já deve ter saltado de R$ 286 para R$ 300 entre fevereiro e março, num movimento altista que deve alcançar R$ 326 em dezembro. Dessa forma, o salário mínimo vigente em 2010, de R$ 510, deve perder seu poder de compra ao longo do ano. Segundo estimativas da LCA, o mínimo deve perder 13,3% de seu poder de compra ao longo deste ano – no ano passado, o mínimo aumentou seu poder de compra em 13%, devido à queda nos preços provocada pela crise mundial. Numa série acumulada em 12 meses do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação para quem ganha entre um e seis salários mínimos, os preços alcançaram neste começo de ano quase metade da variação registrada em meados de 2008. Em julho de 2008, quando o
Produto Interno Bruto (PIB) crescia a taxas anualizadas de 6%, a taxa acumulada do INPC bateu em 7,6%. Já em janeiro deste ano, com o PIB de 2010 projetado para taxas próximas a 6%, repetindo o desempenho de
2008, o INPC acumulado alcançou 4,4%.

“Num espaço curto de tempo, a inflação ao consumidor de baixa renda caiu fortemente. Essa descompressão foi importante para preservar o poder de compra”, avalia Romão. Fenômeno semelhante ocorre com o Índice
de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), principal indicador de inflação no varejo, que caiu de 6,4% acumulados nos 12 meses terminados em julho de 2008 para 4,6% em janeiro.

Outros índices, no entanto, mostram um quadro menos benigno. O Índice de Preços ao Consumidor classe 1 (IPC-c1), que mede a inflação para quem ganha entre 1 e 2,5 salários mínimos acumulou 2,22% entre janeiro e fevereiro, a maior alta desde 2004, quando o índice passou a ser calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Os preços dos
alimentos, que respondem por cerca de 40% da ponderação do IPC-c1, aumentaram 2,74% nos dois primeiros meses do ano – em igual período de 2009 tinham subido 0,62%.

Para Tatiana, do Santander, os elevados reajustes do salário mínimo dos últimos anos – na faixa dos dois dígitos desde 2007 – têm importância na manutenção e ampliação do poder de compra, seja pelo impacto direto nos trabalhadores formais, cuja remuneração está atrelada ao mínimo, seja pela função de “nortear” negociações
coletivas. “Nem sempre, no entanto, o forte reajuste do mínimo é repetido pelo conjunto da economia”, afirma Tatiana, “uma vez que algumas categorias não têm o mesmo poder de barganha que setores mais organizados, que podem usar o reajuste do mínimo como parâmetro para conquistas salariais elevadas”.

Para Bernardo Wjuniski, economista da Tendências Consultoria, os reajustes elevados do mínimo “não são condizentes com os índices de inflação”. Segundo o economista, a forte elevação dos salários em termos reais é uma fonte de inflação futura. “Há uma pressão, via salários, que vai direto ao consumo varejista, que pode não acompanhar, se a demanda não ceder”, afirma. Além disso, ressalta Wjuniski, há consequências importantes em termos de Previdência, uma vez que dois terços dos benefícios previdenciários são corrigidos pelo salário mínimo. “Isso gera um enorme custo para o setor público, que precisa elevar gastos para fazer frente ao reajuste concedido”, avalia.

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