Cristiano Romero - Valor
A economia brasileira avançou nos anos oito anos da era Lula. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu de forma mais rápida e o índice de desemprego caiu ao menor patamar da história. Entre 2003 e 2010, a concentração de renda e a pobreza diminuíram, a taxa de juros foi drasticamente reduzida e a inflação ficou sob controle. O governo tirou proveito dos bons ventos que sopraram na economia mundial, mas, reconheça-se, também soube enfrentar a mais grave crise internacional em oito décadas.
Em boa medida, o sucesso de Lula se deve ao reconhecimento do legado de seu antecessor. O presidente redobrou a aposta na estabilidade iniciada por Fernando Henrique Cardoso em 1994, no governo Itamar Franco. Ao elevar o superávit primário das contas públicas e reafirmar a autonomia operacional do Banco Central (BC), fortaleceu o tripé de política econômica que vigora no país desde 1999.
Mesmo a contragosto de setores do seu partido, Lula, ao conceder status de ministro ao presidente do BC em agosto de 2004, deu mais autonomia à instituição do que FHC. É verdade que, em vários momentos, não conviveu bem com essa autonomia, mas o saldo, em termos de resultados, foi positivo.
A ênfase na estabilidade da economia, principalmente nos primeiros quatro anos, rendeu frutos. A inflação média da era Lula foi de 5,77%, um índice ainda elevado para padrões internacionais, mas bem menor que a média de 9,10% dos oito anos anteriores.
Transferência de renda e estabilidade marcaram gestão
Entre 2003 e 2010, o PIB cresceu, em média, 4% ao ano, face a 2,47% entre 1995 e 2002. Quatro por cento não é propriamente uma taxa estupenda, mas mostra que o país está aumentando a capacidade de crescer. Se lembrarmos que, com a exceção justificada de 2009, o ano da crise, o Brasil avançou acima de 5% ao ano no último quadriênio, é razoável supor que a economia está mudando de patamar. A taxa de desemprego, por exemplo, caiu a 5,7% em novembro (estava em 13,1% em abril de 2004).
O ajuste fiscal dos primeiros anos e a conquista da estabilidade permitiram a Lula tornar efetivas suas políticas sociais. Com o Bolsa Família, o governo retirou da indigência quase 50 milhões de brasileiros. Com a valorização do salário mínimo (SM), que em oito anos cresceu 63,7% acima da inflação, beneficiou 19,2 milhões de aposentados, além de milhões de trabalhadores do setor privado e funcionários públicos, principalmente das prefeituras, remunerados pelo menor vencimento. Isto, sem falar dos trabalhadores da economia informal, onde o SM funciona como referência.
Lula recusou a sabedoria convencional, segundo a qual a economia brasileira, em seu estágio atual, não pode arcar com um SM mais alto. Ele provou que pode e essa, diga-se, foi uma decisão solitária do presidente, contra a opinião, inclusive, dos ministros da área econômica.
Evidentemente, trata-se de uma política que acarretou um custo salgado para as contas da Previdência Social. O problema foi ter feito isso sem enfrentar o problema previdenciário – especialmente, no setor público, cujo déficit entre contribuições e benefícios, estimado hoje em R$ 50 bilhões por ano, é idêntico ao do INSS, sendo que, enquanto no funcionalismo há 939 mil beneficiários de pensões e aposentadorias, no setor privado são 27 milhões.
Com a inflação sob controle e transferência de renda, Lula deu impulso ao mercado de consumo. Seu governo viveu dois ciclos de crescimento econômico. O primeiro foi puxado pela demanda externa, o boom dos preços de commodities provocado pela expansão espetacular da economia chinesa. O segundo ampara-se na demanda interna, o que comprova que o aumento do poder aquisitivo da população foi crucial para que o consumo doméstico liderasse a alta do PIB.
Lula fez reformas microeconômicas importantes no primeiro mandato, como a Lei de Falências e as reformas do crédito e do Judiciário. Encaminhou ainda ao Congresso o projeto de lei que cria o cadastro positivo e o sistema brasileiro de defesa da concorrência – o primeiro foi aprovado e aguarda sanção presidencial; o segundo ainda está no Congresso.
Apesar dos avanços obtidos, o governo Lula andou pouco do ponto de vista institucional. O presidente começou seu mandato com ímpeto reformista, mas logo o abandonou. Aprovou a mais difícil das reformas – a unificação das regras de aposentadoria de funcionários públicos e trabalhadores do setor privado -, mas desistiu de regulamentá-la. Levou a reforma tributária ao Congresso, mas, recentemente, passou a dizer que a carga tributária brasileira (de quase 36% do PIB) não é alta e, por isso, não deve diminuir.
Por conveniência política, Lula também abandonou bandeiras históricas de sua militância no sindicalismo, como o fim do imposto sindical, e desistiu de reformar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Cometeu um erro histórico ao estender a partilha daquele imposto às centrais sindicais e, refém das mesmas, não moveu um dedo para diminuir o custo de contratação. Com isso, manteve, fora dos benefícios da CLT, metade da força de trabalho do país.
As políticas de Lula privilegiaram a transferência de renda, em vez de investimentos em educação e saúde, portanto, o consumo presente em vez do futuro. No último ano de mandato, o presidente foi leniente com a evolução dos gastos públicos quando a batalha contra a crise mundial, uma justificativa para a elevação das despesas no ano anterior, já havia sido vencida. Por causa das eleições, foi permissivo também com a inflação, que se aproxima perigosamente este ano dos 6%.
A mesma leniência que, na cabeça do presidente, ajudou a eleger Dilma Rousseff presidente da República ficará como sua herança maldita à sucessora. Dilma assumirá o cargo no sábado, com o desafio de trazer a inflação para a meta (4,5%) e de reequilibrar as contas públicas, dois esforços consideráveis para a manutenção da estabilidade, principal conquista do país nos últimos 16 anos.
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras.
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras.
E-mail cristiano.romero@valor.com.br
Retirado do Blog Leituras Favre
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