segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Professor: categoria que mais adoece

Reproduzo abaixo a matéria do jornal Tribuna do Norte que trata sobre a saúde do professor norte-riograndense. Infelizmente, além do fraco desempenho no ENEM, essa também é uma das consequências das péssimas condições de trabalho e dos baixos salários (que leva o professor à dupla jornada de trabalho). Veja:

Do Tribuna do Norte

Professor: categoria que mais adoece

Publicação: 18 de Setembro de 2011 às 00:00

Roberto Lucena - Repórter
Segundo dados da Junta Médica do Estado, os professores constituem a classe que mais pede licenças médicas e afastamento temporário do trabalho. É o caso das professoras Joana Darc de Oliveira, Zuleide Andrade e Maria das Dores. As doenças de ordem fonoaudiológica, como rouquidão, são os mais comuns entre o corpo docente estadual e afetam Joana Darc e Zuleide.


Mas a depressão e problemas de articulações também assustam esses profissionais. Maria das Dores está há quatro meses afastada do trabalho por causa de uma artrose no joelho. Mais de 600 professores estão, nesse momento, fora da sala de aula. Enquanto não podem ministrar aulas, os profissionais são encaminhados para outros setores das escolas - bibliotecas, salas de vídeo, por exemplo - através de um procedimento conhecido como "estado de readaptação". Após um período que pode variar de 90 a 730 dias, o professor retorna à sala. Mas há casos, como o de Zuleide, que esse período pode durar 8 anos.

Licenciados passam por readaptação

"Não sei o que será da minha vida se um dia eu for obrigada a dar aula novamente. Não quero voltar para dentro de uma sala de aula". É com essa frase, e demonstrando certa aspereza, que a professora Joana Darc de Oliveira, 44 anos, responde quando questionada se deseja retornar a lecionar a disciplina de Ciências na Escola Estadual Myriam Coeli. Há dois anos, a professora ocupa um cargo na secretaria da escola por não ter mais condições físicas para "enfrentar os alunos". Um nódulo na garganta é o responsável pelo chamado "estado de readaptação" da professora. Joana Darc é um exemplo dos 663 professores da rede estadual de ensino que se encontram na mesma situação.

A Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (SEEC) lidera o ranking dos órgãos que enviam servidores para a Junta Médica do Estado em busca de permissão para se afastar do serviço por motivos de saúde. As secretaria de Saúde e Segurança Pública vêm em seguida. "É natural que isso ocorra porque a Educação é a maior secretaria e a que possui o maior número de servidores", explica a coordenadora de administração de pessoal e recursos humanos da SEEC, Ivonete Bezerra.

Indiferente aos números, a professora Joana Darc conta que seu drama começou em 2008, quando, em plena sala de aula, ela ficou completamente afônica e perdeu o controle dos alunos. "O problema já vinha acontecendo. Todos os dias ficava rouca e era difícil manter os alunos atentos. Até que um dia minhas cordas vocais não responderam mais e fiquei muda, sem voz nenhuma", relembra. Os médicos detectaram um nódulo na garganta de Joana e recomendaram o afastamento imediato da função. "Entrei com o pedido na Junta Médica e me deram dois anos de adaptação", explica. O desejo da professora é que esse período seja prolongado o máximo possível. "Não quero voltar para sala", enfatiza. Atualmente, ela toma remédios e faz sessões de fisioterapia para combater a doença.

O problema de Joana é o mesmo enfrentado pela professora Zuleide Andrade, 55 anos. Há quase três décadas, Zuleide dedica-se ao ofício do magistério. Os anos de trabalho dentro de sala de aula foram interrompidos em 2000, quando a voz da professora começou a enfraquecer e a rouquidão aparecia ao fim das oito horas dentro da sala de aula. O calo nas cordas vocais foi diagnosticado e a profissional teve que escolher entre cuidar da saúde ou continuar exercendo a profissão que, até hoje, segundo ela, é apaixonante. "Não queria deixar de ensinar. Amo o que faço, mas foi o jeito deixar a sala de aula. Se não parasse, iria perder a voz para sempre", diz.

O desejo de continuar ensinando é o que a motiva a sair todos os dias de casa para coordenar as atividades na "Sala de Vídeo" da  escola Myriam Coeli. Todas as manhãs, Zuleide escolhe vídeos educativos e monitora o aprendizado das turmas do 6º ao 9º ano. "Aqui não é a mesma coisa da sala de aula, mas estou feliz. O que não quero é ficar em casa. Não me vejo nessa situação. Preciso da escola para continuar vivendo", explica. Em "estado de readaptação" há oito anos, a professora não esconde o desejo de voltar a lecionar como antigamente. "Queria voltar a ensinar. Sinto muita falta. A profissão de professor é apaixonante".

As sessões de fisioterapia durante um ano e seis meses, além dos remédios, não foram suficientes para curar a doença. Uma intervenção cirúrgica foi descartada pelos médicos. "Não tem jeito. Hoje em dia, se eu falar muito ao telefone, por exemplo, a garganta dói. Tenho que me conformar", lamenta Zuleide.

Além do problema fonoaudiólogo, ambas professoras dividem uma tristeza. Há alguns meses, uma professora da mesma escola cometeu suicídio. Antes disso, a docente passou pelo mesmo problema que aflige centenas de  professores: a rouquidão.  "Ela ficou do mesmo jeito que fiquei. Ficou rouca e perdeu a voz por alguns dias. Porém, o caso dela foi mais grave", diz Joana. "O fato de ficar afônica, desencadeou um processo de depressão nela. Infelizmente, acabou desse gente", lamenta Zuleide.

Em maio passado, a professora Maria das Dores, 51 anos, se submeteu a uma cirurgia no joelho esquerdo. A artrose de terceiro grau a incomodava há algum tempo. Desde que foi operada, ela se afastou das atividades que desempenhava na Subcoordenadoria de Ensino Médio da SEEC.

Na tarde da última sexta-feira, Maria das Dores era uma das pessoas que estava na sede do Instituto de Previdência do Rio Grande do Norte (Ipern), onde funciona a Junta Médica do Estado, para dar entrada no pedido de readaptação de função. "Nos últimos quatro meses, fiquei afastada da função. Só agora estou tendo condições de voltar ao trabalho", explica.

Bate-papo

A professora de Português Amanda Gurgel ganhou notoriedade quando, num vídeo, gravado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, reclamava sobre a situação atual dos professores potiguares. O vídeo, divulgado na internet, foi visto por milhares de pessoas e Amanda foi convidada para participar de programas nacionais de televisão.

À época, a professora não estava ensinando. Devido a um problema de saúde que ela prefere não revelar qual era, ficou um ano longe das salas de aula. No período de readaptação, trabalhou na biblioteca da Escola Estadual Myriam Coeli. De volta às salas de aula desde julho, quando foi encerrada a maior greve da categoria no estado, Amanda Gurgel retomou sua rotina. Na última quinta-feira, ela concedeu entrevista a TRIBUNA DO NORTE antes de participar de uma reunião com representantes do movimento intitulado "10% do PIB já", que pede o repasse da porcentagem do Produto Interno Bruto para a educação.

Quanto tempo passou no período de readaptação?

Foi pouco mais de um ano.

Qual foi seu problema de saúde?

Prefiro não falar. Não é interessante citar.

Por quê?

Porque não quero que esse problema seja visto só como se fosse meu problema. Isso é um problema de todos os professores do estado, dos municípios. Nossa categoria é doente. O problema é generalizado. O meu exemplo só ilustra a realidade.

Porque os professores adoecem tanto?

São vários fatores. Tem a tripla jornada de trabalho, a sobrecarga de trabalho é muito grande. Além disso, somos humilhados, trabalhamos em condições humilhantes. Isso gera um sentimento de raiva, de decepção em todos os professores. Quero deixar claro que não queremos ser tratados como "coitadinhos", mas é preciso melhorar essa situação.

E como foi o tempo de readaptação?

Fiquei um tempo no laboratório de informática e outro na biblioteca. Engraçado que, no meu parecer, dizia que eu tinha que ficar num ambiente sem estresse. Isso é impossível dentro de uma escola, dentro desse modelo de educação que temos.

Crescem problemas psiquiátricos

Os servidores do Governo do Estado podem se afastar do trabalho, por motivos de saúde, num período de até 15 dias. Para tanto, basta apresentar um atestado médico. Se a quantidade de dias longe do trabalho superar uma quinzena, o servidor deve procurar o setor de Avaliação Médico Pericial e Reabilitação do Ipern (Junta Médica do Estado) para se submeter a uma perícia médica. O exame, realizado por um médico perito, define se o pedido do servidor será concedido. De acordo com a coordenadora do setor, médica Isís Critina Solto, o resultado do exame sai em menos de 72 horas. "Geralmente entregamos no mesmo dia, mas em alguns casos, pede-se exames complementares que podem demorar a sair. De forma geral, o processo é rápido", explica.

No RN, existem quatro unidades da Junta Médica e um total de 26 médicos peritos. Eles são responsáveis por absorver uma demanda de 70 pedidos por dia de afastamento e outros benefícios em todo estado. Até 2005, a média de atendimentos era maior. Isís Solto explica que o atestado médico era válido somente por três dias. A norma mudou em 2006 com a promulgação de um decreto estadual. "Antes disso, eram cerca de 100 solicitações por dia", diz.

Nos últimos quatro anos, segundo a médica, o número de casos de servidores alegando problemas psiquiátricos cresceu bastante. As cardiopatias e problemas reumáticos também aparecem na lista de doenças mais comuns. Além das licenças médicas, a Junta Médica é responsável por expedir documentos necessários nos casos de aposentadoria por invalidez. Segundo o órgão, há uma média de 66 aposentados por ano devido à motivos de saúde. Nesse caso, as doenças oncológicas (cânceres) lideram a lista de enfermidades responsáveis pela aposentadoria precoce dos servidores.

A coordenadora da Junta Médica acredita que a estrutura da instituição, bem como o número de servidores existente, é satisfatório. Porém, ressalta que a situação no interior do estado está "em sua capacidade máxima". Uma outra questão preocupa a médica: a segurança dos peritos. Segundo Isís,  existem muitos casos de assédio moral e ameaças feitas por servidores descontentes com o resultado de algumas perícias. "Pouca gente sabe dessas ameaças porque não divulgamos, mas eu mesma já fui ameaçada e me perseguiram na rua", diz.

No hall de entrada da unidade da Junta Médica em Natal, o aviso pregado na parede chama atenção: "Desacato - Art. 331. Desacatar funcionário público no exercício de sua função ou em razão dela: detenção de 6 meses a 2 anos, ou multa". Ao lado deste, um outro aviso: "É terminantemente proibido a entrada de pessoas portando arma no interior da Junta Médica". Apesar dos avisos e da presença de um policial militar no local, as ameaças não cessam. "Essa semana mesmo tivemos casos de pessoas revoltadas com o resultado da perícia que nos ameaçaram. Outra vez, entrou um cidadão armado. Na hora da consulta, ele levantou a camisa e mostrou a arma e insinuou que poderia usá-la", diz Isís.

O Ministério Público já foi avisado sobre a situação e inquéritos policiais foram instaurados. Apesar do risco, a médica afirma que não deixará de fazer o trabalho como deve ser feito. "O perito precisa ser imparcial e obedecer o que diz o Código Civil, Penal e a Ética Médica".

Secretaria não tem projeto para saúde dos professores

O Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Rio Grande do Norte (Sinte/RN) reclamam que a SEEC não dispõe de nenhum projeto voltado para a saúde dos professores. Segundo o coordenador geral do órgão, José Teixeira, foi feito um pedido ao Governo do Estado nesse sentido. "O sindicato propõe uma ação diferenciada para a categoria. Não queremos ser tratados como cidadãos especiais, mas é preciso que haja uma atenção para os professores", alega.

Em São Paulo, no ano passado, a secretaria estadual de Educação criou um programa especial que conta com equipes de médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, nutricionistas e enfermeiros que atendem os professores daquele estado. O programa foi criado devido ao número de faltas dos docentes. Segundo informações, uma média de 12,8% dos professores faltavam todos os dias. "A gente precisa de um programa parecido como esse. O professor precisa se ausentar da sala de aula para poder cuidar da saúde. Seria interessante se houvesse uma equipe assim durante as férias. Assim não atrapalharia o calendário escolar", diz José Teixeira.

A reportagem da TRIBUNA DO NORTE procurou a SEEC para comentar sobre o assunto, porém, o telefone do departamento pessoal só chamava e na assessoria de imprensa ninguém sabia dar informações sobre o assunto.

"Não temos nada disso aqui. Quando o professor pede uma licença, ainda é tratado como vagabundo. Fica a suspeita de que ele realmente precisa dessa licença. É um absurdo", diz a professora Amanda Gurgel.

A coordenadora da Junta Médica do Estado, Isís Solto, rebate as acusações mas deixa dúvidas quanto à possível influência de outros gestores no órgão. "O médico perito precisa ser isento. Não sei lhe dizer se um dia já existiu ligação ou solicitação de algum secretário pedindo algo desse tipo", diz.

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