- Parte dos brasileiros é contra a presença das tropas brasileiras no Haiti. o senhor concorda que os nossos soldados devem ficar aqui e não lá ?
A participação brasileira na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH) é um grande exemplo de solidariedade. Não podemos ser indiferentes à situação de um país irmão que vive uma situação tão dramática e com o qual mantemos tantos laços históricos e culturais. Nossa ação tem amplo apoio das forças políticas representadas no Congresso Nacional, em Brasília, e reflete a tradição de generosidade do povo brasileiro. Conta com a autorização expressa do governo haitiano, tem o apoio dos países do Caribe e se desenvolve dentro de linhas definidas pelo Conselho de Segurança da ONU. A ação dos soldados brasileiros é reconhecida como das mais eficazes na pacificação das forças em conflito. Com engenheiros militares, nós damos apoio especial na recuperação da infraestrutura necessária ao fortalecimento do Estado haitiano. O Haiti é o Estado mais pobre do Hemisfério Ocidental. Essa situação é o resultado de anos de intervenções externas e de governos autoritários que pouco deixaram de positivo para a população. O terremoto de janeiro último abalou os alicerces que ainda restavam. Em um mundo cada vez mais interligado, em que o Brasil se sobressai pela retomada do crescimento e bem-sucedida política social, não podemos virar as costas para problemas humanitários graves, sobretudo quando acontecem em nossa própria região. Não seremos prósperos sem que nossos vizinhos também encontrem o caminho da paz, da segurança e do desenvolvimento.
- O senhor sempre disse que o mensalão não existiu. No entanto o do DEM é uma realidade. O sr. não acha que essa comprovação mostra que o mensalão é uma pratica habitual em todos os partidos políticos?
Essa história de mensalão é uma das muitas histórias que ainda não estão devidamente esclarecidas e explicadas. Quando estiver fora do governo, eu vou me dedicar a estudar o caso até entender o que realmente aconteceu. O que mais me intriga é que o deputado que fez a acusação foi cassado porque não apresentou nenhuma prova. O texto da cassação dele, na Câmara dos Deputados, diz que ele foi cassado por falta de decoro parlamentar por não ter provado as acusações que fez. Mesmo assim, o processo contra os acusados continuou. Esse caso me lembra o linchamento de inocentes. Muita gente entra na onda, fica cega e surda para qualquer argumento contrário, e passa, vamos dizer, a jogar bosta na Geni. Comparo também com o caso da Escola Base, de São Paulo, em que os donos foram acusados de molestarem sexualmente as crianças. Eram absolutamente inocentes, mas começaram a ser bombardeados e a ser conhecidos em praticamente todos os veículos de comunicação como "os monstros da Escola Base". Diante da execração pública pela imprensa, houve saque e depredação do prédio da escola.
São muitos casos de injustiça. Lembro também do acidente com o avião da TAM. Enquanto a aeronave e o prédio ainda estavam em chamas, portanto muito tempo antes de se abrir a caixa preta, apresentadores de televisão diziam que o governo havia matado 200 pessoas. Outros diziam que era mais um crime do governo Lula. Fui julgado e condenado sumariamente, sem direito de defesa, por quem não tem poderes para isso. E muita gente embarcou nessas acusações. Hoje já se sabe que a razão do acidente foi um dos manetes estar em posição errada, de aceleração, por erro humano ou por falha técnica.
- A quem o senhor atribui essas acusações que julga injustas?
Boa parte da imprensa, em determinados momentos não investiga nada, e só dá ouvidos a quem diga o que ela quer ouvir. Em relação ao chamado mensalão, hoje, eu tenho plena consciência de que houve também o aproveitamento de um suposto crime eleitoral para tentar desgastar e sangrar o governo durante um ano, para que nós perdêssemos as eleições de 2006. A coisa só não continuou porque eu mandei um recado claro a diversos senadores que queriam inclusive iniciar um processo de impeachment – se tentarem quebrar as regras democráticas, vão ter que me enfrentar nas ruas. Eu me reuni com os movimentos sociais e obtive todo o apoio. Foram criados panfletos e adesivos com inscrições como "Mexeu com o Lula, mexeu comigo" e "Deixa o homem trabalhar". Só aí é que eles recuaram. Essa mesma elite já apeou do poder outros governos eleitos democraticamente: o de Getúlio, em 1954, cujo desfecho foi o suicídio, e o de João Goulart, em 1964, e ainda tentaram, sem sucesso, o golpe contra Juscelino Kubitschek.
- O senhor concorda que o apoio ao presidente do Irã foi exagerado?
A política externa do meu governo aponta sempre para a paz. E a melhor maneira de alcançá-la é por meio do diálogo. Não queremos uma nova guerra como a que aconteceu no Iraque, país que foi acusado – hoje já se sabe, injustamente – de desenvolver armas de destruição em massa. Temos boas relações com todos os países e não há razão para não ter com o Irã. A política externa brasileira caracteriza-se pela universalidade e pela busca permanente de soluções negociadas para os problemas que afligem a humanidade. Quanto mais crítica, complexa ou explosiva uma situação mais importante será seguir o caminho do diálogo, da diplomacia. Proceder de outra forma seria irresponsável. Na área nuclear, o Brasil só deseja para o Irã o mesmo que quer para o Brasil: o direito ao uso da tecnologia nuclear para fins pacíficos. Atuamos junto com a Turquia na questão do programa nuclear iraniano para trazer o país à mesa de negociação, e conseguimos. Agimos em contato permanente com os membros do Conselho de Segurança da ONU, sem receber reparo deles, muito pelo contrário. Mas todos mudaram de atitude quando o Irã concordou em fazer o acordo. Essa mudança só pode ter sido causada por ciúmes, porque não poderiam aceitar que Brasil e Turquia tivessem conseguido o que eles não conseguiram. Os interesses brasileiros são globais. Portanto, seria um engano pensar que situações geograficamente distantes não nos afetarão. Ocupamos assento não-permanente no Conselho de Segurança já pela décima vez. Fomos eleitos por 182 de 183 votantes não só para cuidar de temas relacionados com a nossa vizinhança, mas também para atuar em qualquer situação que afete a comunidade internacional, porque os membros da ONU acreditam que temos credenciais para isso.
O senhor foi eleito pela Time como um dos líderes mais influentes do mundo. Pra onde vai essa influência agora?
Eu não penso na influência que possa ter. Penso, isto sim, que a experiência acumulada à frente de um governo, que tem o apoio maciço da população, não pode ser desperdiçada. Ao longo destes oito anos, nós desenvolvemos mecanismos muito bem-sucedidos de promoção do crescimento econômico combinado com transferência de renda. Se, antes, a valorização dos salários e os programas sociais eram considerados um peso para a economia, no meu governo passaram a ser um dos motores do crescimento.
- Como o senhor define o fortalecimento econômico do Brasil durante seu governo?
Quem tem muitas carências, assim que seu poder aquisitivo aumenta, pelo salário valorizado ou pelos benefícios sociais, consome imediatamente: compra do pequeno comércio, que compra do grande, que demanda dos setores industriais e agropecuários. Tudo isso resulta em geração de riquezas e de novos empregos, beneficiando toda a sociedade. Para se ter uma idéia, quando a crise financeira provocou uma retração dos mercados externos, nossas empresas se voltaram para o mercado interno, que estava extremamente fortalecido. Em 2009, no auge da crise, enquanto em quase todos os países o consumo despencou, no Brasil cresceu nada menos que 5,9%. Avançamos como nunca no rumo da inclusão social, na redução das desigualdades regionais e sociais. Essa experiência pode ser levada a países que ainda lutam contra a fome e a miséria. Desejamos ter parceiros fortes, o que é importante não apenas do ponto de vista humano, do ponto de vista da solidariedade, mas também para a própria economia brasileira. O comércio com esses países só se fortalece à medida que eles tenham mercado consumidor, à medida que sejam economicamente fortes para nos vender seus produtos e para comprar os nossos. Como é que a gente poderia ter comércio forte com quem não tem o que vender, nem dinheiro para comprar?
- O senhor não acha justo criar tarifas sociais para serviços como luz e água em favelas? É possível uma política pra isso?
Não só é possível como já existem medidas neste sentido. Em janeiro deste ano, eu sancionei a Lei 12.212, que concede descontos nas contas de energia elétrica para moradias de famílias de baixa renda. É preciso atender a algumas exigências, como, por exemplo, a moradia ser de família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), com renda familiar de até meio salário mínimo por pessoa. Podem ter direito aos descontos também famílias inscritas no CadÚnico, com renda de até três salários mínimos, e que tenham entre seus membros portador de doença que exija uso continuado de aparelhos elétricos. Os descontos são de 65% para moradias que consomem até 30 kWh por mês; de 40% para as que consomem entre 31 e 100 kWh por mês; e de 10% para consumo compreendido entre 101 e 220 kWh por mês. Para ter direito a essa tarifa com descontos, os que estiverem inscritos no CadÚnico devem procurar o gestor do Bolsa Família do município para fazer o cadastro e para obter as demais orientações. Quanto à água, tenho informações de que a Cedae, que pertence ao Estado do Rio de Janeiro, tem uma linha de Tarifa Social (no valor de R$ 17,00) para famílias de baixa renda de conjunto habitacional, moradia popular ou favelas. Informações sobre a documentação necessária para conquistar o direito à Tarifa Social podem ser obtidas em alguma agência da Cedae, no site da empresa ou pelo telefone 0800-282-1195. O projeto Água para Todos, do governo do Estado, já iniciou a construção de novas redes de tubulações, reservatórios, etc., e vai levar água para 111 favelas do Rio. Em todas elas, os moradores também vão contar com a Tarifa Social.
- Como o senhor sabe, a cufa não deseja novas favelas. Porém, enquanto elas existirem nossa ação será criar alternativas para seus moradores. A pergunta é: É possível criar uma política de habitação capaz de tornar as favelas brasileiras coisa do passado?
O governo federal, nesses oito últimos anos, elegeu como uma de suas prioridades, o efetivo enfrentamento da questão da falta de moradias ou de moradias dignas. As favelas mereceram uma preocupação especial. Mas trata-se de um problema muito grave que não recebeu um tratamento adequado ao longo de décadas e por isso não é possível ser totalmente solucionado no curto prazo. Elaboramos o Plano Nacional de Habitação que, de forma planejada e articulada entre União, Estados e Municípios, prevê a superação do déficit habitacional até o final do ano de 2023. No entanto, várias ações já foram e estão sendo implementadas, com destaque para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa Minha Vida (MCMV). O programa MCMV concede mais benefícios para quem ganha menos. Para as famílias que ganham até R$ 1.395,00 por mês, as prestações são de 10% da renda familiar, com valor mínimo de R$ 50,00 e período máximo de pagamentos de 10 anos. Depois desse prazo, o débito é extinto automaticamente. Para famílias com renda de R$ 1.395,00 a R$ 2.700,00, recebem um subsídio para completar os pagamentos, que pode chegar a R$ 23 mil, e ainda conta com juros subsidiados, de 6% ao ano. A faixa mais elevada de renda, de R$ 2.790,00 a R$ 4.900,00, conta com juros subsidiados, de 8,16% ao ano, e podem obter financiamento para até 100% do valor do imóvel, quando o prazo de financiamento não ultrapassar 20 anos. Até o Natal nós teremos completado a assinatura de contratos do MCMV para a construção de 940 mil moradias destinadas a famílias de baixa renda.
- O senhor acredita mesmo que esses programas têm um futuro consistente?
Para os próximos anos, além da continuidade de outros programas habitacionais, estão previstos mais 2 milhões de unidades habitacionais, somente por meio do programa Minha Casa Minha Vida. O desafio de transformar as favelas em bairros populares, com moradias dignas e todos os serviços urbanos básicos, é muito grande. Mas, com as obras do PAC e o programa MCMV, nosso governo começou a dar passos muito importantes neste sentido e eu estou convencido de que vamos concretizar este sonho.
- O senhor concorda que emparedou os movimentos sociais?
De maneira nenhuma. A democracia participativa não é, absolutamente, um processo de "emparedamento" ou cooptação dos movimentos sociais pelo Estado. Quando participam de fóruns com o governo, as organizações populares não perdem a sua autonomia organizativa e política. Se as suas propostas não são aprovadas, elas têm o pleno direito de continuar a defendê-las na sociedade. O dado concreto é que boa parte das nossas políticas é fruto de propostas surgidas em conferências, conselhos e mesas de diálogo, com a participação efetiva de representantes de todos os segmentos sociais. Só de conferências, foram 73, que mobilizaram nas etapas municipais, estaduais e nacional, em Brasília, mais de 5 milhões de pessoas.
- O que são as mesas de diálogo?
Em relação às mesas de diálogo, cito a que construímos com as centrais sindicais e que resultaram na fórmula do salário mínimo, que possibilitou, desde 2003, reajustes reais, ou seja, acima da inflação, de 72%. Esse diálogo permanente teve vários outros resultados positivos, como é o caso do valor do salário médio dos trabalhadores, que vem batendo recordes – em outubro, chegou a R$ 1.515,40, o maior da série histórica do IBGE. Outros resultados importantes dessa participação das grandes organizações populares do país foram o Prouni, que fornece bolsas de estudos para 748 mil jovens de famílias carentes cursarem faculdades particulares, e o Plano Safra da Agricultura Familiar, que elevou de R$ 2,5 bilhões para R$ 15 bilhões o financiamento do setor. Com tudo isso, 26 milhões de brasileiros saíram da condição de pobreza e 37 milhões subiram de classe social. A sociedade, portanto, só teve a ganhar com essa participação. Aliás, pela primeira vez, não houve paredes, nem portões fechados, separando a Presidência e representantes dos movimentos sociais. Em meu governo, as portas do Palácio do Planalto sempre estiveram abertas para eles, que foram recebidos e ouvidos desde o início da mesma maneira com que os empresários sempre foram.
- O Sr Ainda acha que o DEM é um mal para a política nacional?
Tudo começou com a Arena, partido que era uma espécie de braço desarmado da ditadura brasileira, que tanto mal causou ao País e à sociedade. Com o fim da ditadura, para que ninguém se lembrasse do seu passado, seus dirigentes, espertamente, mudaram o nome para PDS. Como também não deu certo, tornaram a mudar, desta vez para PFL. Quando o povo abriu os olhos mais uma vez, os políticos desse partido mudaram para DEM. E já devem estar pensando em novo nome, porque o DEM também já não engana mais ninguém. Pois bem, esse partido, ou melhor, seu antecessor, o PFL, que não consegue se viabilizar nas urnas, em 2005 tentou o tapetão, o que é natural porque é um partido que tem a ditadura no seu DNA. É sempre assim – partido que não tem apoio do eleitorado, apela. Um de seus dirigentes chegou a dizer que iria se ver livre dessa "raça do PT" por pelo menos 30 anos.
- Mas esse ano, em especial, o senhor disse que ele deveria ter sido extirpado. Ainda acha isso?
Quando, este ano, eu disse que esse partido precisava ser extirpado da política brasileira, eu me referia às urnas, dentro do jogo democrático. Mesmo assim me penitencio. Acho que foi um momento de arroubo, de exaltação, que não deveria ter acontecido. O partido deve continuar concorrendo, desde que se limite à disputa dentro das regras da democracia, esquecendo o seu passado ditatorial, se é que seus dirigentes vão conseguir.
- O senhor acha que se o voto não fosse obrigatório os eleitores seriam mais politizados?
Eu não acredito. Na minha opinião, com o voto facultativo, a tendência seria ir piorando cada vez mais a qualidade dos representantes eleitos. Por uma razão simples: muitos daqueles que se julgam conscientes, e que poderiam eleger bons parlamentares e governantes, não iriam votar, com a velha alegação de que todos os candidatos são iguais, que nada muda, etc. É claro que isso se deve muito ao fato de que só aparecem na mídia os parlamentares que se envolvem em escândalos, que cometem irregularidades ou supostas irregularidades. Fica a impressão de que ninguém presta, o que levaria o eleitor consciente a abrir mão de votar. Isso significa que aumentaria a porcentagem de eleição de maus candidatos, daqueles que se elegem comprando votos, oferecendo sacos de cimento, jogo de camisas de futebol, dentadura, dinheiro vivo e por aí afora. Se, com a possibilidade de abstenção, votos nulo e branco já isso já acontece de certa forma, fico imaginando se não houver a obrigatoriedade do voto.
- Mas o senhor há de convir que o voto obrigatório é algo autoritário, certo?
Na minha opinião, voto obrigatório nada tem de autoritário – a medida, que faz parte do sistema político de boa parte das democracias estáveis e consolidadas, ajuda na politização e no aumento da responsabilidade dos governantes. O voto, pra mim, tem que ser igual a imposto. Imagina se algum país vai deixar cada cidadão decidir se quer ou não quer pagar imposto. O país quebraria. Com o voto tem que ser a mesma coisa. Com o voto obrigatório, você garante que somente sejam eleitos governantes aqueles que foram apoiados pela maioria dos eleitores. É claro que se trata da quase maioria porque há as abstenções, votos nulos e brancos. Mas assim mesmo o eleito terá muito mais legitimidade do que se for votado apenas pela maioria dos que concordam em votar. Um instituto brasileiro fez pesquisa recentemente procurando saber quantas pessoas iriam às urnas se o voto não fosse obrigatório. Sabe quantas disseram sim? Apenas 55% dos eleitores. Vamos ser otimistas e considerar que esses 55%, mesmo sem ter a obrigação, não viajarão no dia do pleito e realmente sairão de casa, chovendo ou fazendo sol, e vão se dirigir a uma sessão eleitoral para depositar o seu voto. Nesta hipótese, que é a melhor, significa que com o apoio de apenas a metade desse índice mais um voto – vamos dizer, 28% -, um candidato seria eleito. Veja que a imensa maioria dos eleitores – 72% - não apoiou o candidato. Qual é a legitimidade que ele vai ter para governar?
Um dos prêmios Nobel de economia, Paul Krugman, disse que o Brasil pode ser uma bolha, principalmente pelo nível de formação da sociedade como um todo. Podemos ser uma bolha ?
O economista deve ter alertado para o perigo de uma bolha "financeira", como conseqüência da valorização da nossa moeda. Quanto a essa possibilidade, o governo está atento e tem tomado medidas como o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para impedir que investidores estrangeiros ganhem com a valorização do real. Além disso, dispomos de outras alternativas que podemos vir a usar para impedir que haja turbulências a partir dessa área. O Brasil sofre as consequências de um desequilíbrio externo que tem suas origens na inserção da China na economia global e especialmente sua relação com os Estados Unidos.
Uma solução definitiva para esse problema externo depende do equacionamento da relação entre esses dois países. Se o economista falou em bolha "imobiliária", nos moldes da norte-americana, isso também não procede. Existe em nosso País uma demanda real por investimentos em habitação, que está sendo atendida por meio do programa Minha Casa Minha Vida. Nosso sistema bancário é objeto de regulação atuante, o nível das nossas reservas é recorde – US$ 300 bilhões –, os bancos públicos estão saudáveis, o crédito cresce sem movimentos imobiliários especulativos. Além disso, nosso crédito em relação ao PIB ainda é muito inferior ao dos países mais desenvolvidos. Ainda existe, portanto, muito espaço para aumentar. A inadimplência mantém-se baixa.
- Qual sua posição sobre a política de cotas para negros nas universidades públicas?
O resultado do ingresso de estudantes de origem negra em cursos universitários, por meio de políticas de ação afirmativa, sobretudo pelas cotas, tem sido extremamente positivo. As instituições de ensino superior que decidiram adotar essas políticas, por decisão de seus conselhos universitários, permitiram o acesso de 52 mil estudantes negros em cursos que para eles até então eram inacessíveis: Medicina, Engenharia e Direito, entre outros. O aproveitamento dos cotistas em universidades como a UFRJ e a UnB tem sido excelente e em muitos casos superior ao dos demais alunos. Alguns reitores relatam, de forma entusiasmada, que estudantes de ascendência negra agarram com unhas e dentes a oportunidade de ingresso na universidade, estudam muito e têm freqüência altíssima. Outra iniciativa que está favorecendo de forma excepcional os estudantes de origem negra é o Prouni, programa que fornece bolsas de estudos para jovens de famílias de baixa renda cursarem universidades.
- Na prática, quais são os resultados ?
Até agora, são 748 mil jovens e quase a metade é de estudantes negros e negras. Nós temos hoje, frequentando nossas universidades, muito mais alunos de origem negra do que já houve em toda a história do nosso país. Essa grande parcela da juventude do país até recentemente ficava apenas na dimensão do sonho, irrealizável na grande maioria das vezes. O ensino é a principal porta para o crescimento profissional, para a ascensão social e para a conquista efetiva da cidadania. Estamos resgatando uma dívida antiga do nosso país com a população afrodescendente e contribuindo para caminharmos no sentido de uma sociedade de inclusão social, muito mais igualitária e sem preconceitos.
- O que o Lula não conseguiu fazer nesses 8 anos que vai tirar o seu sono?
É claro que não fizemos tudo o que falta ao Brasil porque seria absolutamente impossível em apenas dois mandatos. Nosso País foi governado quase sempre de maneira predatória, o que produziu distorções e desigualdades como em poucos lugares do mundo. É óbvio que em apenas oito anos seria impossível consertar tudo o que foi feito de errado em 500 pelos governantes, com raras exceções. Para ser franco, eu considero o saldo do nosso governo extremamente positivo, opinião que é partilhada pela população, conforme atestam todas as pesquisas de opinião. É por isso que eu boto a cabeça no travesseiro e durmo muito bem – não perco um minuto de sono.
- E qual foi o ponto mais forte?
Acho que o resultado mais importante de tudo o que fizemos não se mede com números, com estatísticas – o principal resultado foi ter recuperado a autoestima do nosso povo, que passou a acreditar na realização dos seus sonhos, a acreditar que era possível crescer, que amanhã pode ser melhor do que hoje. Isso não tem preço. É com essa perspectiva que um país vai para a frente, que resolve os seus problemas e constrói o amanhã.
- Mesmo assim, muitas coisas ainda poderiam ter sido feitas, certo?
Alguém pode dizer que algumas coisas poderiam ter sido feitas, mas não foram. Eu concordo. É como num jogo de futebol. Um time ganha de cinco a zero e mesmo assim perde três gols feitos – poderia ter ganho de oito. Mas isso sempre acontece. O mais importante e que devemos louvar é que o time teve um grande desempenho, garantiu três pontos e um belo saldo de gols.
- Qual é o maior desafio da Dilma?
Eu acho que a presidenta Dilma Rousseff vai tomar posse numa situação muito mais confortável, em certos aspectos, do que aquela que eu vivi quando assumi a Presidência pela primeira vez. Afinal, em 2003, tudo estava por ser descoberto. Hoje, eu percebo que o caminho se descobre realmente caminhando. Foi assim que nós construímos os meios de apontar para o crescimento econômico combinado com inclusão social. Antigamente se dizia que era preciso que o bolo (da economia) crescesse bastante para depois ser dividido (com o povo). Nós invertemos tudo isso, ao dividir para crescer. É isso mesmo, as políticas de transferência de renda foram uma das molas do crescimento econômico. Além de ter participado ativamente conosco dessas descobertas, Dilma, pelos cargos que ocupou, tem um conhecimento profundo da máquina pública federal. Eu creio que, diante de tudo isso, o principal desafio que ela vai encontrar é fazer mais e melhor do que o que já foi feito. E eu estou convencido e tenho fé de que ela vai conseguir. Sua capacidade de trabalho, sua dedicação e sua energia já foram testadas nesses oito anos e ela foi aprovada com méritos. Realizar mais e melhor é um desafio e ao mesmo tempo uma necessidade, diante de tudo o que falta fazer para termos um país realmente próspero e igualitário.
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