Aloizio Mercadante, ministro de Ciência e Tecnologia. Inclusão: ‘Não vamos resolver o apartheid social se não resolvermos o apartheid digital’
Marta Salomon – O Estado de S.Paulo
Aloizio Mercadante é, como ele define, um economista que “está ministro”. Após as primeiras horas no cargo de ministro de Ciência e Tecnologia, ele anunciou que pretende transformar a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública responsável por bancar projetos na área de ciência e tecnologia, em instituição financeira. Seria uma forma de aumentar investimentos no setor.
Em entrevista ao Estado na noite de anteontem, Mercadante adiantou que ordenou uma revisão do acordo espacial com a Ucrânia para lançamento de foguetes da base de Alcântara (MA). Também admitiu que tem dúvidas sobre a conveniência de produzir urânio enriquecido para exportação.
Pesquisas na área de defesa dividem prioridades, segundo ele, com áreas de maior potencial de inovação, como petróleo e gás, por conta da exploração do pré-sal, e a indústria farmacêutica, impulsionada pelo vencimento de patentes de medicamentos nos próximos anos.
Qual é o papel do ministério no governo Dilma Rousseff?
O governo Lula criou as bases de um novo desenvolvimentismo, uma inflexão histórica que supera o nacional desenvolvimentismo e o que foi o neoliberalismo. É um padrão de desenvolvimento que tem como eixo estruturante a criação de um mercado interno forte de consumo de massas e políticas de inclusão social. Agora, precisamos olhar a agenda para o futuro: o Brasil não pode se acomodar no papel de exportador de commodities. Temos de enfrentar um concorrente com custos cada vez mais reduzidos, que é a China. Temos problemas de juros, de câmbio, de carga tributária, de infraestrutura, mas somos uma economia que voltou a crescer. Isso significa que temos de focar na inovação como o grande desafio da indústria e da economia brasileiras. A questão da sustentabilidade e a questão da sociedade do conhecimento são grandes desafios.
E como entram Ciência e Tecnologia nessa agenda?
A primeira prioridade é melhorar a formação de recursos humanos. Formávamos 5 mil doutores e mestres em 1987. Em 2009, formávamos 50 mil mestres e doutores, mas ainda estamos abaixo da média internacional. Segundo, aprofundar a pesquisa. Na inovação, temos de ter uma visão sistêmica, que articule os agentes e com atenção para as cadeias que têm grande potencial inovador. Por exemplo, gás e petróleo. O Brasil vai ter mais de 25% da capacidade de compra de todo o investimento offshore de gás e petróleo no mundo. É uma janela de oportunidade. Da mesma forma, a área de fármacos. O déficit comercial nessa área é de mais de US$ 4 bilhões. A partir de 2014, as patentes estarão abertas. Então o Brasil tem potencial para usar essa oportunidade para desenvolver novos medicamentos, patentes próprias, inovação, pesquisa.
O sr. defende a criação de uma superempresa nacional para competir nessa área?
Não participei de nenhuma discussão nesse sentido. O que interessa é inovar, e a gente não inova sem parceria com a iniciativa privada. As empresas brasileiras investem pouco em pesquisa e desenvolvimento: 0,51% do PIB. No Japão, ele é de 2,7%.
Por que as empresas investem pouco aqui?
Porque a cultura industrial do passado era a da reserva de mercado, onde a tecnologia era importada. E porque viemos da hiperinflação, mais de duas décadas de baixo crescimento, instabilidade, custos elevados, juros, câmbio e carga tributária. Agora o ambiente macroeconômico se estabiliza, o crescimento acelera e você tem política industrial, apoio do BNDES, da Finep, começa a ter um marco legal mais favorável à inovação. Uma das metas é transformar a Finep numa instituição financeira para aumentar a capacidade de financiamento. Temos um parecer do Banco Central, conversei com a presidenta Dilma e ela gostou da proposta.
É viável a meta de investimento no setor?
O porcentual de investimento em pesquisa e desenvolvimento dos setores público e privado está em torno de 1,25% do PIB. Para chegarmos à meta de 1,5%, a verba para o setor precisa crescer 10% ao ano. É ambicioso, mas possível. A recomendação da 4.ª Conferência de Ciência e Tecnologia é chegarmos a algo entre 2% e 2,5% em uma década. Essa ambição histórica o Brasil tem de ter. E temos de superar entraves básicos, como a importação de reagentes. A Anvisa fez um protocolo, a Receita fez, mas não resolveu. O complexo industrial da saúde merece atenção. Outro complexo muito importante na inovação é o da defesa. Temos alguns projetos importantes, a discussão de como transferir tecnologia na aviação militar, que é fundamental para a nova geração da aviação civil. Na área aeroespacial, o presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp, assumirá a presidência da Agência Espacial Brasileira.
O acordo espacial com a Ucrânia será mantido?
Vamos fazer uma avaliação profunda e olhar a empresa binacional que está envolvida. É prematuro um posicionamento.
Novas definições do programa nuclear estão suspensas desde 2008, pouco depois da retomada do programa. Há lobby pela participação da iniciativa privada na construção e operação de novas usinas, o que exige emenda constitucional. O sr. apoia?
Existe um grupo ministerial, e o ministério pode ser ouvido no futuro. Mas a competência do nosso ministério é a pesquisa e a inovação, o domínio do ciclo do enriquecimento de urânio. Domínio em escala industrial é uma possibilidade. Esse passo só se justificaria se fôssemos exportar urânio enriquecido. Há demanda no mercado internacional, mas outros países estão estabelecendo investimentos nessa área, então temos de pensar bem a viabilidade econômica desse passo.
Sua conversa com a presidente até aqui já desceu a detalhes?
Hoje (anteontem), conversei com ela mais de duas horas. Ela é do ramo, gosta, motiva-se. Conversamos sobre banda larga e inclusão digital. Tenho um projeto aprovado no Senado que canaliza recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) para esse programa. O Fust arrecada R$ 1 bilhão por ano, e esses recursos sempre foram contingenciados. Não vamos resolver o apartheid social se não resolvermos o apartheid digital.
Na votação do Orçamento de 2011, parlamentares tiraram dinheiro da ciência para financiar projetos de turismo.
Como são emendas que viabilizam respostas imediatas às prefeituras, ganham apoio. Mas devíamos olhar adiante e ver que essas cidades deviam estar preocupadas em montar uma incubadora de empresas com base tecnológica, pensar em parques tecnológicos para atrair empresas que vão criar emprego e pesquisa. Mas conseguimos negociar e a verba vai voltar para o orçamento, porque a presidenta assegurou que voltará.
Qual é o maior problema que encontrou?
Depois do que passei na liderança do Senado, ainda não encontrei nenhum. Seguramente há. Sou economista professor, estive senador, estou ministro. Acredito que o Brasil só dará um salto histórico se olhar a sustentabilidade e a sociedade do conhecimento. Um dos projetos que vamos implementar é a previsão de catástrofes. O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) tem um novo supercomputador, vamos usá-lo e cruzar com informações das áreas de risco. Nós estimamos 500 áreas de risco no País e 5 milhões de pessoas expostas.
O sr. falou em atrair talentos, mas como se dará isso?
Com estímulo. Queremos repatriar talentos que saíram nas épocas difíceis. Só professores nas universidades americanas, em exercício, são cerca de 3 mil. Vivemos uma diáspora de talentos, hoje somos um ímã.
Retirado do Blog Leituras Favre
http://blogdofavre.ig.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário