terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A reforma agrária segundo o INCRA

Enviado por luisnassif, ter, 11/01/2011 - 08:54

Por Gustavo Souto de Noronha

Como trabalho como economista no INCRA, a reflexão sobre a Reforma Agrária para mim é quase uma obrigação.

Acho a avaliação da CPT insuficiente para entendermos como está a questão agrária hoje.

Para tanto gostaria de colocar algumas coisas (publiquei essa análise também no meu blog http://opiniaodivergente.com/?p=358)

1 - É preciso dizer que o INCRA fez muito nestes oito anos. Dificilmente faria mais dentro do atual marco legal e das restrições impostas pela política econômica. Para fazer mais teríamos que trazer para o primeiro plano do debate nacional a questão agrária. Pois esse muito que o INCRA fez foi incapaz de resolver a questão agrária no Brasil. Não chegou sequer a superfície. Aí é que está a questão.


2 - Nenhum país do mundo se desenvolveu sem, em algum momento da história, realizar algum tipo de reforma agrária, a literatura acadêmica é vastíssima a este respeito. As razões normalmente estiveram ligadas a expansão do mercado consumidor interno (no Brasil o Bolsa Família vem respondendo a esta tarefa sem contudo ser uma política estruturante) ou ao rompimento com as antigas oligarquias políticas feudais/semi-feudais (a força política da bancada ruralista mostra que ainda há a necessidade desse rompimento no Brasil).

3 - O Brasil inventou o que eu costumo chamar de "Reforma Agrária perene", estamos sempre a fazer a reforma agrária. Isto, no meu entendimento, é inconcebível. Reforma agrária tem que ter começo, meio e fim. E tem que ser radical, se não você não realiza as transformações naturais dela decorrentes. Assentar 600 mil famílias em oito anos, como fez o governo Lula, apesar de ser mais do que o que foi feito em toda a história do Brasil, não é reforma agrária. Reforma Agrária seria assentar em oito anos no mínimo, oito milhões de famílias. Depois desta reforma agrária, trabalharíamos apenas com o desenvolvimento do meio rural.

4 - É preciso ainda quebrar alguns mitos que o peso político dos ruralistas inclusive sobre a pauta da cobertura midiática sobre o campo nos impõem. Todos os estudos econômicos, inclusive os do mainstream neoclássico, asseveram que a grande propriedade é ineficiente. Há discussões sobre qual seria o tamanho ideal de uma propriedade rural, mas é certo de que a partir de determinada área há deseconomias de escala. O que corrobora com a idéia proposta pelos movimentos sociais da necessidade de limitação da propriedade rural, e 35 módulos (como é a proposta) não é só uma grande propriedade pelos padrões legais brasileiros é mais que duas. Não à toa que o Olacyr, o Rei da Soja, vendeu suas terras para o INCRA. Outro ponto a ser destacado é de que agricultura é uma atividade capitalista. Não é! É uma atividade de altíssimo risco, sujeita as (dis)sabores da metereologia.

5 - É importante destacar ainda que a grande maioria dos alimentos consumidos no dia-a-dia pelos brasileiros vem da agricultura familiar, a pequena propriedade. Ousaria até dizer que a solução de médio/longo prazo para o impacto dos alimentos na inflação dar-se-ia através de uma reforma agrária que reorganizasse a produção de alimentos do país. Não custa lembrar que inflação de alimentos se dá por um problema de oferta. E a grande propriedade não vai resolver este problema de oferta.

6 - Outro ponto que tem que ser destacado é que apesar de matérias tendenciosas da imprensa (como a de O Globo, sábado 08/01) a reforma agrária não é inimiga do meio ambiente. Pelo contrário, a a diversidade da agricultura familiar é muito mais benéfica que os desertos verdes do agronegócio de grandes propriedades. O desmatamento da agricultura familiar é sim menor que o do agronegóciode grandes propriedades. O problema é que os dados são difíceis de trabalhar e muitas vezes áreas desapropriadas pelo INCRA já com enormes passivos ambientais e áreas desmatadas são mostradas como assentamentos desmatados. A grilagem de terras, inclusive (infelizmente) dentro de assentamentos, é a maior responsável pela destruição das nossas florestas - e muitos dos nossos grileiros compõem a bancada ruralista.

7 - Também é preciso quebrar o preconceito de que o agronegócio é só patronal. As feiras nacionais da agricultura familiar têm demonstrado anualmente o êxito do agronegócio familiar, quem já foi a uma sabe do que estou a falar.

8 - Por fim, se temos como objetivo eliminar a miséria no Brasil, não podemos fazer isto sem discutir reforma agrária. A pobreza e miséria rural, quem conhece sabe, é muito mais avassaladora que a pobreza e miséria urbana. Além dos sem terra acampados, temos trabalhadores submetidos a regimes de semi-escravidão e/ou superexploração como em nenhum outro setor da economia. Temos ainda os "falso incluídos", os que na visam de muitos já estão incluidos por terem seu minifúndio, mas que é incapaz de prover-lhe um sustento digno e que sequer consegue ter acesso as linhas de crédito do PRONAF.

9 - Isto me remete ao quase derradeiro ponto, não dá para fazer reforma agrária sem crédito e assistência técnica, pois são estas ferramentas que irão garantir uma mudança de paradigma. O desmonte da EMBRATER no governo Collor e de diversas EMATER Brasil afora na era de ouro do neoliberalismo tupiniquim foi trágico.

10 - Para encerrar, nunca é demais lembrar que a aposta no agronegócio para resolver nossas contas externas, sempre me remete aos tempos em que erámos apenas um país primário exportador, é isso mesmo que queremos?

Enfim, são muitos temas que necessitam de um debate aprofundado e que é urgente que o país faça.

Retirado do Luis Nassif

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