Um golpe maquiado
Da Carta Capital - 09/12/2009
Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa
Com 66% dos votos apurados, o sojicultor Porfirio “Pepe” Lobo, do Partido Nacional (conservador) vence com 55,9% dos votos válidos. O Partido Nacional também conquista a maioria do Congresso (salta de 55 para 80 de 128 deputados) e mais de 60% das prefeituras, inclusive a da capital. O empreiteiro Elvin Santos, da ala golpista do Partido Liberal, teve 38,2% e seu partido cai de 62 para 43 representantes. Mas qual a abstenção que mediria a rejeição popular à eleição e o apoio à Resistência ao golpe? Não houve discussão sobre o vencedor, mas muita sobre a participação dos eleitores.
Foram cinco horas de espera – explicada como “falha técnica” – após o fechamento das urnas, durante as quais (conta o escritor e diplomata hondurenho Roberto Quesada) o TSE hondurenho foi visitado por três coronéis, o tribunal eleitoral forneceu dois dados divergentes. O primeiro, resultado da pesquisa financiada pelos EUA do Consórcio Hagamos Democracia, formado por organizações religiosas e civis e contratado pela ditadura hondurenha, calculou a participação em 47,6%. O segundo, baseado em “dados preliminares” da apuração, seria de 61,3%.
A maioria dos noticiários e agências internacionais ignorou o primeiro número e destacou o suposto aumento em relação aos 56% da eleição de 2005. Não satisfeitos, Roberto Micheletti e Lobo excluem os “ausentes” (que não votaram nas duas últimas eleições) para elevar a participação a mais de 80%. Zelaya e a Resistência, pelo contrário, dizem que a participação foi de meros 40%, 35%, ou mesmo 30%, segundo Patricia Rodas, chanceler de Zelaya, na Conferência Ibero-americana
Segundo o jornal mexicano
Martha Lorena Alvarado, vice-chanceler e porta-voz de Micheletti, não reeleita (como a maioria dos liberais golpistas), insistiu em que “o bipartidarismo segue uma realidade em Honduras e quem quiser o poder terá de buscá-lo por algum dos dois partidos”. Para negar o óbvio: o revezamento de conservadores e liberais cedeu ao enfrentamento social. A esquerda nacionalista apoiada nas massas populares e organizada em novos movimentos contra uma direita conservadora-liberal respaldada nas classes médias. Ao abafar um lado, o golpe e a eleição marcada por prisões e julgamentos políticos e por repressão de marchas e comícios oposicionistas interrompem só brevemente uma evolução semelhante à do -Uruguai, Paraguai, Venezuela e Bolívia.
Entrevistado como vencedor, “Pepe” Lobo insistiu, quase histérico, que a crise está finiquitada, que Manuel Zelaya “já é história”. Outra negação do óbvio: Perón e Vargas ainda dividem águas nos países onde foram história. E em Honduras, os liberais golpistas, inconformados com a derrota, veem em Lobo um “Mel azul” (cor do Partido Nacional – os liberais são “colorados”).
Em 2005, “Pepe”, com um ex-assessor de Reagan e Bush a seu serviço, prometia a pena de morte e brandia a escultura de um punho de ferro para se dizer candidato da “mão dura”. Perdeu para “Mel”. Desta vez, deu-se retoques “populistas”. Elogiou o Bolsa Família e disse querer ir ao Brasil conhecê-lo. Procurou ficar “em cima do muro” entre Micheletti e Zelaya quando este parecia ter chances de voltar ao poder e foi à embaixada do Brasil abraçá-lo. Nunca opinou sobre a (i)legalidade do golpe, apesar de seu partido votar unânime para ratificar o golpe e impedir a restituição de Zelaya em 2 de dezembro, após a eleição.
Lobo flertou com o comunismo na juventude e estudou ciências políticas em Moscou, onde fez amizade com Ramiro Vázquez, um dos líderes da guerrilha de El Salvador e da FMLN. Seu partido costuma estar à direita do Liberal, mas os golpistas o veem com desconfiança. Diz Martha Lorena: “Ao primeiro movimento que fizer à esquerda, que espero em Deus que não se dê, porque há um grupo assessor muito importante que não permitirá isso, nos terá do outro lado, marchando”. Provavelmente com “azuis” da velha guarda, como o ex-ministro Óscar Álvares, para o qual “subversivos não têm direitos humanos”.
Tantas negações, devidamente invertidas, traçam um prognóstico plausível. A Resistência criará um braço eleitoral e será a verdadeira oposição. Para Carlos Reyes, independente de esquerda que retirou a candidatura em protesto contra o golpe, e Rafael Alegría, líder camponês dos protestos de rua, a crise se agravará com o aumento dos impostos e a desvalorização da moeda, dando oportunidade a mais manifestações de massa. Se Lobo quiser governar com algum consenso, será um pouco como Zelaya: fará concessões “populistas” e isolará a direita liberal-conservadora. Com ou sem o ex-presidente, prosseguirá o movimento por uma nova Constituição, pois a atual, absurdamente rígida, bloqueia qualquer reforma mais profunda. Um repeteco.
Fica o problema do isolamento. Antes mesmo de eleito, Lobo prometeu “bater à porta do presidente Lula e de todos”, mostrando que a questão está longe de ser secundária. Em tempo de retração dos EUA, Honduras não pode desprezar o resto do mundo. Na Cúpula Ibero-americana, Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e bolivarianos mostraram-se firmes em não reconhecer o “golpe cívico-midiático” e a eleição, “quase um simulacro” (palavras de Cristina Kirchner) – Lula com um “categoricamente não, fora de questão”. Colômbia e Costa Rica somaram-se aos EUA, Panamá e Peru do lado oposto; México, Espanha e El Salvador hesitam. Sem um fato novo, o impasse deve continuar enquanto Lobo e a Resistência não firmarem um pacto político.
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