domingo, 6 de setembro de 2009

O Pré-sal é nosso!



Tudo como dantes


Mino Carta - 04/09/2009


O que temos em mente é apenas resistir em nossa previsão de que o aproveitamento de nossas prováveis riquezas petrolíferas à custa de capital, técnicas e trabalho exclusivamente brasileiros redundará num desperdício de muito dinheiro e de tempo irrecuperável. Tal perspectiva parece-nos mais trágica quando consideramos a escassez de capitais, de que a economia nacional se ressente...” Etc. etc. Volto ao Estadão, porta-bandeira da imprensa nativa, e a um dos seus editoriais.



Memoráveis, está claro. Este tanto mais memorável. Vem do respeito pela memória do pai de um amigo dotado de dons premonitórios. Trata-se de uma passagem do editorial de 6 de outubro de 1953, publicado ao cabo da campanha “O petróleo é nosso”, quando o então presidente Getúlio Vargas, desta vez democraticamente eleito, convocava o Congresso a aprovar a lei de criação da Petrobras.

O amigo entregou-me o fac-símile da página fatídica, em que, há 56 anos, fulgurava o anátema: “E todo este desenvolvimento pernicioso continuará, com tendência a se agravar, mercê da sanção da lei relativa à Petrobrás”. O editorial de 8 de outubro de 1953, que também tenho debaixo dos olhos, não deixava por menos. Afirmava a impossibilidade de esperança em relação a resultados positivos e explicava a aprovação da lei “menos pela ignorância do que pela sujeição do Executivo e do Legislativo à demagogia e a argumentos eleiçoeiros”.



Decorreu mais de meio século, e a atualidade dos textos acima é assombrosa. Cabe outro adjetivo? Quem sabe espantosa. Quem sabe infinitamente dolorosa para quem há mais de meio século desejava, e imaginava, para o Brasil um futuro bem melhor do que o nosso presente. Ou não seria revoltante?



A Editora Nova Fronteira remeteu-me um livro intitulado Dicionário Lula de autoria de Ali Kamel, senhor de notável poder nas Organizações Globo. O conteúdo é fácil de intuir, fala de um presidente “exposto por suas próprias palavras”. Abro ao acaso. Colho o raciocínio seguinte: o Brasil é o que é porque havia de ser, e sua elite não tem culpa em cartório. E de quem seriam então as responsabilidades? Da natureza que foi tão dadivosa conosco e nos brindou até com o pré-sal? Já Lula, na visão de um Kamel, é algo assim como castigo de Deus. Para compensar, talvez, a generosidade divina em outros dominios.

Certo é que a Petrobras, trunfo brasileiro, conseguiu na presidência do ex-metalúrgico escapar à tentativa entreguista perpetrada no governo de Fernando Henrique Cardoso e hoje dá um passo adiante na sua afirmação como uma das maiores empresas do mundo, a despeito das aspirações de quem gostaria de vê-la controlada pelo capital multinacional.



Em entrevista publicada por CartaCapital na primeira edição de agosto, Wilson Santarosa, diretor de Comunicação da Petrobras, foi ao ponto. “Se sabemos da existência deste óleo no pré-sal”, disse, “por que o governo precisa fazer leilões de exploração? Isso pertence à União, ao Brasil, ao povo. Não precisamos distribuir para as grandes multinacionais.”



Referia-se, inclusive, à CPI montada pela oposição e sustentada pela mídia contra a empresa e denunciava os “interesses multinacionais” em desestabilizá-la. “Alvejar a Petrobras”, acentuava, “é uma forma de enfraquecê-la e diminuir a sua influência na discussão.” É assustador que, depois de colher as provas da excelência do desenvolvimento iniciado no começo dos anos 50, os argumentos brandidos de um lado e de outro sejam os mesmos. De nada adiantou que o Brasil tenha traído a previsão dos editorialões para tornar-se autossuficiente na produção de petróleo e representar agora uma espécie de reserva amazônica de combustível para o mundo todo.



E na quarta 2 de setembro de 2009 no seu primeiro editorial o Estadão alegava, em proveito da iluminação dos seus leitores, a profunda diferença entre patriotismo e nacionalismo. A favor dos patriotas, se bem entendi. De minha parte, não me canso de evocar o doutor Samuel Johnson. Há mais de dois séculos, advertia: “A pátria é o último refúgio dos canalhas”.


Carta Capital

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