O catecismo da conversão
Mauricio Dias, da CartaCapital
A migração dos esquerdistas para a direita é uma trajetória comum na história republicana brasileira, embora não seja um fenômeno exclusivo do Brasil como é, por exemplo, essa curiosa fruta nativa da Mata Atlântica chamada jabuticaba.
Os caminhos dessa conversão política são muitos. E não há problema que isso ocorra, principalmente, quando ex-comunistas, como o agressivo Roberto Freire, ou ex-guerrilheiros, como o delicado Fernando Gabeira, mudaram por acreditar que a democracia política é melhor. Melhor que qualquer autoritarismo que imaginaram melhor para viver.
Agressivo e delicado são dois adjetivos usados intencionalmente para explicar aos que eventualmente não sabem que Freire e Gabeira usaram armas diferentes contra a ditadura militar brasileira. Agressivo era Gabeira que optou pela ação armada. Delicado era Freire que se lançou na oposição política.
O ruim é quando esses ex-militantes de esquerda passam a servir à direita e se esquecem de todas as outras ideias nas quais acreditavam e pelas quais se batiam.
Roberto Freire fundou o Partido Popular Socialista, que nada tem de socialista e, muito menos, de popular. No programa partidário exibido dias atrás, ele pontuou todo o roteiro das falas em oposição ao governo Lula. Atacou, por exemplo, a taxação de cadernetas de poupança acima de 50 mil reais, cuja finalidade, exposta pelo governo, é a de bloquear a utilização dos benefícios da poupança pelos grandes grupos de investidores que migraram das aplicações em virtude da queda nos juros.
Um parlamentar do PPS, Fernando Coruja, com destaque no Congresso, atacou a proposta de Lula de consolidar as leis sociais e torná-las permanentes, como Getúlio Vargas fez com as leis trabalhistas. A entrevista do deputado foi publicada no mesmo jornal em que Lula deu uma entrevista de valor capital. Entre outras coisas, o presidente lembrou:
“Sou de um tempo de dirigente sindical que, quando a gente falava de salário mínimo, as pessoas já falavam logo de inflação. Nós demos, desde que cheguei aqui, 67% de aumento real para o salário mínimo e ninguém mais fala de inflação”.
Embora aliado de Freire, Gabeira segue por caminho diferente. Protegido pela importante capa do ambientalismo ele ataca com outro viés as regras fixadas pelo governo para a exploração do pré-sal. Ambos servem, hoje, à candidatura presidencial conservadora dos tucanos.
Aí é que o bicho pega. Um escritor português, o anarquista Manoel de Souza, tratou desse trânsito político, esquerda-direita, na Europa. “Muitos outros comunistas, maoístas e trotskistas (...) comeram na mesa dos condes e das marquesas, ou nos seus leitos, nas amenas praias mediterrâneas, em nome da reconciliação nacional e de um mundo melhor. Para eles, pelo menos.”
Alguém já disse que eles trocaram o desejo de salvar o mundo pelo oportunismo de salvar-se no mundo.
Sobre eles, o português Souza despejou uma velha e contundente expressão popular da língua portuguesa, não se referindo à mãe que os deu à luz, e sim à condição de oportunistas, “alguém em quem nunca se devia confiar nem deve confiar”.
A invenção não é mesmo nossa, mas, sem dúvida, há brasileiros dando grande contribuição para aperfeiçoar esse comportamento.
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