Não havia a menor dúvida de que tucanos e demos tentariam algo contra o programa do PT que foi ao ar ontem à noite. Devem ter ficado todos sentadinhos em frente à TV, acompanhados de seus advogados, indo ao desespero com a naturalidade de Lula e Dilma e maquinando o que diriam no dia seguinte.
O discurso já amanheceu arrumadinho hoje. “É infração clara à legislação eleitoral”, “bofetada nos juízes do TSE”, “dano irreparável”, “violência”, “desrespeito”, “deboche” e “transgressão”, entre outros adjetivos.
Isso era esperado. E é a chiação própria da matilha política que toma a si o uso de dentes e garras, enquanto seu candidato posa de bom moço e, quando controla a sua natureza, usa e abusa das expressões mais cândidas, dizendo que “Lula está acima do bem e do mal”.
Mas é de extrema gravidade o que o Estadão publicou agora, há poucas horas. Trata-se de uma insuflação ao golpismo mais abjeto. Diz a matéria que, “ganha força no TSE, segundo apurou o Estado com ministros do TSE, a tese de que poderá ter sucesso no tribunal uma eventual representação da oposição acusando Dilma de abuso de poder político e uso dos meios de comunicação em prol da candidatura ao Planalto”.Tal situação, diz o jornal, “pode levar à inelegibilidade do político e de quem o ajudou na prática dos atos irregulares além da cassação do registro do candidato que foi beneficiado pelo abuso de poder.”
Ministro do TSE não fala em tese, muito menos quando não é provocado formalmente. Atribuir a “ministros do TSE” a afirmação de que já julgaram o que não foi ajuizado e afirmar que isso pode levar a cassações, das duas uma. Ou se está acusando os ministros de uma transgressão a normas jurídicas elementares ou se está, de maneira torpe, usando seus nomes para fazer terrorismo eleitoral e para pressionar a própria corte.
É preciso deter este processo que fede a autoritarismo. É muito grave que o Estadão coloque a Justiça diante da opinião pública como se estivesse a decidir, de maneira irregular, que um candidato possa ser cassado. Os políticos e os orgãos de imprensa que faziam a apologia do golpe no pré-64, ficaram conhecidos como “vivandeiras de quartel”, como analogia às mulheres que, no passado, seguiam atrás das tropas em marcha. Parece que, agora, temos as “vivandeiras do TSE”.
Tucanos e demos tentaram evitar que o programa fosse ao ar ontem, mas seus pedidos não foram julgados antes da veiculação. Instado por PSDB e DEM, o TSE multou o PT e Dilma por propaganda eleitoral antecipada no programa do partido que foi ao ar em dezembro do ano passado, e como não tiraram a propaganda do ar ontem decidiram cassar o tempo do programa do PT do primeiro semestre do ano que vem. Estavam no direito de pedir, embora seja um ato hipócrita, pois querem que alguém seja condenado pelo que eles mesmos fizeram e fazem.
O programa do PSDB ano passado dividiu seu tempo entre Serra e Aécio e ninguém considerou campanha antecipada. Para ajudar o departamento jurídico do PT a desmontar essa hipocrisia de que a legislação eleitoral está sendo desrespeitada, sugiro que assistam no YouTube ao programa do PSDB do Rio Grande do Norte, de maio de 2002, coincidentemente o mês em que estamos, que se não for propaganda antecipada não sei que outro nome pode ser dado.
Assistam-no e vejam que Serra é apresentado e se apresenta, na prática, todo o tempo como candidato. Ninguém tentou cassar Serra, nem tirar do ar o PSDB. É porque campanha se faz na rua, pelo voto do povo e não nos tribunais, pelo voto dos juízes.
Mostrem-no aos ministros do TSE, se os tucanos insistirem com novas punições. Se não é possível – e nem é desejado – impor-lhes hoje punição por algo que fizeram há oito anos, que ao menos se crie o constrangimento moral aos que vem pedir a condenação de alguém pelo que eles prórios fizeram, sem qualquer sanção.
Em 30 de julho de 2002, em entrevista ao mesmo Estadão, o coordenador político da campanha de Serra a Presidência, deputado Pimenta da Veiga (PSDB-MG), pedia atuação ostensiva do então presidente Fernando Henrique Cardoso a favor do tucano para interromper uma trajetória de queda que ele vivia no momento. “Não é possível que um presidente bem avaliado como Fernando Henrique não transfira 10% a 20% do prestígio que tem a seu candidato”, dizia um outro tucano à época. Era legítimo, porque é bom que a população saiba quem representa quem. Ilegítimo é pretender esconder a verdade da população, mesmo que seja por uma interpretação intolerante da lei.
Impedir o abuso é um dever legal. Usar este poder de maneira abusiva é uma deformação da democracia.
O TSE, como instituição, tem de reagir à matéria do Estadão. Não pode aceitar ver atribuída a si uma insinuação de ter posição tomada sobre o que não está em causa e, menos ainda, que possa vir – em tese – a estar examinando a cassação de uma candidata que representa politicamente um Presidente aprovado pela Nação e que desponta como uma das favoritas ao pleito.
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