Marcos Coimbra – Marcos Coimbra
Correio Braziliense – 12/05/2010
Se aquele que não tinha curso superior e “nunca tinha sido nada” deu tão mais certo que um dos mais ilustres intelectuais de sua geração, o problema é o critério
A cultura política de um país é formada por diferentes elementos: as normas escritas e não escritas que regulam a vida política, as instituições onde ela acontece, as interações entre os grupos sociais e os indivíduos em que o poder é uma dimensão estruturante. A memória interpretada dos eventos, dos personagens e do que a sociedade viveu, no plano político, a cada momento, fazem, igualmente, parte dela.
Outro de seus elementos constitutivos são os estereótipos a respeito da política, dos políticos e da relação que há entre ambos e as pessoas comuns. Cada cultura tem seus chavões e clichês, que se formaram ao longo da história. Alguns surgiram lá atrás, ninguém se lembra mais quando. Outros são recentes, e foram incorporados à cultura do país em função de conjunturas ainda próximas.
Os estereótipos mais duradouros são os que mais naturais parecem. Eles se impõem como se fossem coisas óbvias, que não precisam de comprovação. Tornam-se provérbios, que as pessoas repetem sem pensar. De tanto repisá-los, acabam se convencendo de que são verdade.
Um dos lugares-comuns mais frequentes é sobre como escolher candidatos, especialmente para cargos considerados importantes. Nossa cultura política fornece ao cidadão uma resposta pronta, à qual sempre pode recorrer: vote no mais preparado, no que tem o melhor currículo, no que mostra ter a maior experiência administrativa e política.
Desde a redemocratização, todos os que pesquisaram o processo de decisão do eleitorado se depararam com esse padrão de respostas. Parece tão natural, tão inquestionável que seja assim, que nem nos damos conta de que, raramente, é isso mesmo que fazem os eleitores.
Nas pesquisas qualitativas, cuja matéria-prima por excelência é o senso comum que compartilham pessoas semelhantes, a cantilena do “mais preparado” é ouvida de Norte a Sul do país. Inquiridos, os entrevistados pedem socorro ao estereótipo, para evitar a admissão de que podem votar (e votam) movidos por critérios bem distintos. Nem sempre prevalece a lógica aparentemente indiscutível de escolher pela biografia administrativa ou a formação educacional dos candidatos.
A rigor, a tese de “escolher o melhor” faz sentido, mas só quando a pergunta é abstrata. Se ela não se referir a candidatos reais, que disputam eleições reais, não há mesmo como responder a ela senão dizendo: “Voto no mais preparado”.
As eleições, no entanto, não são isso, mas o inverso: escolhas reais entre candidatos que existem no concreto da vida política, que têm lado, que representam melhor os interesses e as opiniões de uns e não de outros. Eles não existem ao longo de um contínuo, onde um está mais adiante, na mesma dimensão, que os demais. Na maior parte das vezes, a pergunta sobre qual é o “mais preparado” é quase irrelevante sem outra: “mais preparado para fazer o quê?”
Com um mínimo de contextualização, as respostas abstratas perdem significado. Agora, por exemplo, que nos avizinhamos da eleição, são cada vez mais raras as pessoas que insistem no padrão do “melhor currículo”.
Uma pesquisa recente da Vox Populi permite ver isso com clareza. Usando uma lista com oito atributos desejáveis para um candidato a presidente (baseada em pesquisas em profundidade anteriores), pediu-se aos entrevistados que escolhessem os três mais importantes. De todos, os dois mais mal colocados foram “ter experiência administrativa” e “ter experiência política”.
Em primeiro lugar, ficou a honestidade, algo que não surpreende ninguém, haja vista nossa experiência nos últimos anos. Em segundo, “conhecer e entender os problemas do povo”, acompanhado, em terceiro, por seu irmão gêmeo “ter condições de resolver os problemas do povo”. Em quarto lugar, estava “ter ideias novas para o Brasil” e, daí em diante, os restantes foram igualmente desimportantes. Segurando a lanterna, “ter experiência política”.
O sucesso popular de Lula, em comparação à percepção de fracasso de Fernando Henrique está, muito provavelmente, na raiz do que se vê hoje em dia. Se aquele que não tinha curso superior e “nunca tinha sido nada” deu tão mais certo que um dos mais ilustres intelectuais de sua geração, o problema é o critério.
Ser “mais preparado” saiu de moda. Será que a campanha Serra consegue reabilitá-lo?
Correio Braziliense – 12/05/2010
Se aquele que não tinha curso superior e “nunca tinha sido nada” deu tão mais certo que um dos mais ilustres intelectuais de sua geração, o problema é o critério
A cultura política de um país é formada por diferentes elementos: as normas escritas e não escritas que regulam a vida política, as instituições onde ela acontece, as interações entre os grupos sociais e os indivíduos em que o poder é uma dimensão estruturante. A memória interpretada dos eventos, dos personagens e do que a sociedade viveu, no plano político, a cada momento, fazem, igualmente, parte dela.
Outro de seus elementos constitutivos são os estereótipos a respeito da política, dos políticos e da relação que há entre ambos e as pessoas comuns. Cada cultura tem seus chavões e clichês, que se formaram ao longo da história. Alguns surgiram lá atrás, ninguém se lembra mais quando. Outros são recentes, e foram incorporados à cultura do país em função de conjunturas ainda próximas.
Os estereótipos mais duradouros são os que mais naturais parecem. Eles se impõem como se fossem coisas óbvias, que não precisam de comprovação. Tornam-se provérbios, que as pessoas repetem sem pensar. De tanto repisá-los, acabam se convencendo de que são verdade.
Um dos lugares-comuns mais frequentes é sobre como escolher candidatos, especialmente para cargos considerados importantes. Nossa cultura política fornece ao cidadão uma resposta pronta, à qual sempre pode recorrer: vote no mais preparado, no que tem o melhor currículo, no que mostra ter a maior experiência administrativa e política.
Desde a redemocratização, todos os que pesquisaram o processo de decisão do eleitorado se depararam com esse padrão de respostas. Parece tão natural, tão inquestionável que seja assim, que nem nos damos conta de que, raramente, é isso mesmo que fazem os eleitores.
Nas pesquisas qualitativas, cuja matéria-prima por excelência é o senso comum que compartilham pessoas semelhantes, a cantilena do “mais preparado” é ouvida de Norte a Sul do país. Inquiridos, os entrevistados pedem socorro ao estereótipo, para evitar a admissão de que podem votar (e votam) movidos por critérios bem distintos. Nem sempre prevalece a lógica aparentemente indiscutível de escolher pela biografia administrativa ou a formação educacional dos candidatos.
A rigor, a tese de “escolher o melhor” faz sentido, mas só quando a pergunta é abstrata. Se ela não se referir a candidatos reais, que disputam eleições reais, não há mesmo como responder a ela senão dizendo: “Voto no mais preparado”.
As eleições, no entanto, não são isso, mas o inverso: escolhas reais entre candidatos que existem no concreto da vida política, que têm lado, que representam melhor os interesses e as opiniões de uns e não de outros. Eles não existem ao longo de um contínuo, onde um está mais adiante, na mesma dimensão, que os demais. Na maior parte das vezes, a pergunta sobre qual é o “mais preparado” é quase irrelevante sem outra: “mais preparado para fazer o quê?”
Com um mínimo de contextualização, as respostas abstratas perdem significado. Agora, por exemplo, que nos avizinhamos da eleição, são cada vez mais raras as pessoas que insistem no padrão do “melhor currículo”.
Uma pesquisa recente da Vox Populi permite ver isso com clareza. Usando uma lista com oito atributos desejáveis para um candidato a presidente (baseada em pesquisas em profundidade anteriores), pediu-se aos entrevistados que escolhessem os três mais importantes. De todos, os dois mais mal colocados foram “ter experiência administrativa” e “ter experiência política”.
Em primeiro lugar, ficou a honestidade, algo que não surpreende ninguém, haja vista nossa experiência nos últimos anos. Em segundo, “conhecer e entender os problemas do povo”, acompanhado, em terceiro, por seu irmão gêmeo “ter condições de resolver os problemas do povo”. Em quarto lugar, estava “ter ideias novas para o Brasil” e, daí em diante, os restantes foram igualmente desimportantes. Segurando a lanterna, “ter experiência política”.
O sucesso popular de Lula, em comparação à percepção de fracasso de Fernando Henrique está, muito provavelmente, na raiz do que se vê hoje em dia. Se aquele que não tinha curso superior e “nunca tinha sido nada” deu tão mais certo que um dos mais ilustres intelectuais de sua geração, o problema é o critério.
Ser “mais preparado” saiu de moda. Será que a campanha Serra consegue reabilitá-lo?
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