terça-feira, 15 de junho de 2010

Aparelhamento

MARCOS NOBRE – FOLHA SP


No primeiro discurso como candidato oficial, Serra repetiu um mantra tucano dos últimos quatro anos: o PT estaria “aparelhando” não só o governo mas o Estado. Junto com a acusação veio a consequência: produziria com isso os “neocorruptos”.

A acusação é a de que o PT colocou o Estado brasileiro a serviço do partido. E, ao unir Estado e burocracia partidária, o PT estaria “justificando deslizes morais”, afirmou Serra. Conclusão: a “neocorrupção” ameaçaria a própria democracia.


Um debate para valer deveria poder qualificar os termos. A democracia brasileira está em risco apenas em convescotes ideológicos. Aliás, onde estão mesmo aqueles que afirmavam com segurança absoluta que Lula iria buscar o terceiro mandato? A chegada ao governo de um partido que ficou na oposição durante 22 anos exigiria necessariamente a composição de uma equipe de governo nova em grande medida. Foi algo que aconteceu também com o PSDB em 1995.


A diferença é que os tucanos, ao contrário do PT, herdaram quadros de administrações estaduais, já estavam no governo Itamar Franco e fizeram uma aliança com o então PFL, um velho habitué do aparelho de Estado. Confundir esse processo com aparelhamento pura e simplesmente não ajuda a entender o que aconteceu no Brasil nos últimos 16 anos de estabilidade em estabilização.


Veja-se o caso das chamadas agências reguladoras, citados por Serra e por outros integrantes da oposição. O fato é que o PT nunca se convenceu de que a fiscalização de concessões feitas pelo Estado deveria ser feita por intermédio de agências.


Não se trata de aparelhamento, mas de discordância em relação ao modelo implantado pelos tucanos. O governo Lula não aboliu o modelo, mas lhe deu uma outra função: passou a usar as agências para moderar o poder de alguns ministros, à maneira de um contrapeso.


Se o problema de aparelhamento fosse real, a proposta deveria ser a de limitar o número de cargos de confiança e comissionados a um número próximo do ínfimo, por exemplo. Isso não acontece, porque, até o momento, nem PT nem PSDB acham que podem realmente imprimir sua marca nas políticas de governo sem suas equipes próprias.


Se o problema do aparelhamento fosse levado a sério, ele estaria posto onde realmente acontece: nos fundos de pensão de estatais, por exemplo. Corrupção é um problema sério demais para ficar misturado sem mais com política.


Avanços democráticos vêm com a discussão de problemas reais. Pedem que fantasias de cubanização e de aparelhamento sejam deixadas para encontros sociais de fina estampa.

MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.
nobre.a2@uol.com.br



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