sexta-feira, 30 de julho de 2010

Antropofagia nas eleições proporcionais

Maria Inês Nassif – VALOR

O estreitamento do discurso do PSDB e do DEM, que tem falado para um eleitorado mais radical – numa aposta de que esse segmento tem o poder de propagar pânico e aumentar a rejeição à candidata Dilma Rousseff (PT) – pode ter um grande impacto na eleição proporcional não apenas do ex-PFL, mas no próprio partido do candidato José Serra. Os dois partidos são aliados e o discurso de ambos atinge o mesmo eleitor. Embora juntos nas eleições presidenciais com a dupla José Serra (PSDB)/Indio da Costa (DEM), na base, a disputa de candidatos às eleições proporcionais pode resultar numa carnificina. Antropofagia pura.


No Estado de São Paulo, o PMDB de Orestes Quércia, fora do poder federal e estadual, perdeu completamente a força e tem poucos parlamentares. O PSDB paulista, que elegeu todos os governadores do Estado desde 1998, tem um grande peso no partido nacional. A aliança do PSDB com o prefeito Gilberto Kassab (DEM) e com o PMDB de Quércia , num quadro de polarização com o PT, remete os aliados a uma situação em que um tira votos do outro – e dificilmente conseguem suprimi-los da oposição local. Afinal, eles disputam o mesmo eleitor, com o mesmo discurso. Não existem indícios de que Serra tenha uma superioridade tão grande de votos no Estado sobre Dilma que permita à aliança que o apoia crescer sobre seus adversários em São Paulo. Somente nessa hipótese o PSDB cresceria sobre inimigos e deixaria de perder para os amigos.

Kassab, para consolidar uma liderança sobre seu próprio partido, distritalizou o Estado e tem investido pessoalmente em candidatos fiéis a ele. A eleição da bancada kassabista pode tirar cadeiras do PSDB paulista na Câmara e, assim, fortalecer a liderança do prefeito de São Paulo no partido nacional. Afinal, a bancada paulista do DEM pode crescer no momento em que o partido perde votos e cadeiras no Nordeste, uma região em que o eleitorado tende massivamente à candidatura petista à Presidência. De outro lado, a aliança com o PMDB pode ter o poder de estancar a sangria do partido no Estado. A legenda de Quércia fez uma bancada de apenas três deputados em 2006 – um deles o deputado Michel Temer, candidato a vice na chapa encabeçada pela ex-ministra Dilma Rousseff.

A queda do DEM na região Nordeste já foi significativa em 2006, mas será nestas eleições que o partido de Jorge Bornhausen sofrerá o impacto da morte de Antonio Carlos Magalhães (BA) no quarto colégio eleitoral do país. Em 2006, com ACM, o PFL fez 19 dos 39 deputados baianos. Será muito difícil repetir essa façanha. De outro lado, o PSDB, como aliado, não consegue avançar sobre os votos perdidos do ex-PFL. Os tucanos no Estado sempre fizeram oposição a ACM e nessas eleições estão na contramão da onda anticarlista. Não terão como se valer da decadência pefelista no Estado.

Em Minas, segundo maior colégio eleitoral, as enormes alianças eleitorais articuladas por Aécio Neves nas eleições passadas resultaram numa estrondosa reeleição para o governo, mas também numa pulverização da bancada. O PT, com menos aliados na disputa estadual, fez 9 deputados federais em 53; o PSDB obteve 7. O PMDB fez os mesmos 7 e o PFL, 6. Nas eleições de 2002, Aécio foi consagrado eleitoralmente para um primeiro mandato de governador, mas fez apenas 8 federais, enquanto o PT fez 11.

A dificuldade de expandir bancada federal não beneficia automaticamente o PT de Dilma. Nos pleitos anteriores, o que se observou foi um crescimento de pequenos partidos, puxados por fortes candidatos ao governo do Estado ou por candidaturas alternativas a presidente da República.

A candidatura de Marina Silva (PV) está num patamar nada desprezível de 10% das intenções de voto. Em faixas de escolaridade mais alta, chega a 19%, segundo o último Datafolha. O PV pode se beneficiar da candidatura de Marina e aumentar a sua bancada de 13 deputados, eleitos em 2006. O PSB tem candidaturas fortes ao governo e grande identificação com Lula na região Nordeste e pode ainda se beneficiar disso. Os dois partidos podem incorporar votos antipetistas que perdem espaço no PSDB quando Serra radicaliza o discurso à direita.

O PT terá chances de crescer um pouco mais – essa era uma tendência contínua do partido, interrompida em 2006, no episódio mensalão. Essa está longe, contudo, de ser uma solução ótima para o quadro partidário. Os maiores partidos brasileiros, exceto o PT, perderam massa orgânica ao longo desse último período democrático. Os pequenos que crescem não têm grande correspondência com setores sociais nem uma unidade interna. A dinâmica de governo e a guinada ao centro, por sua vez, excluiu do PT – como de resto, de todo o quadro partidário – setores sociais mais à esquerda, hoje subrepresentados em partidos pequenos, que não conseguiram arregimentar todas essas dissidências petistas.

O quadro partidário que saiu da reforma partidária de 1979, com o fim do bipartidarismo da ditadura por conveniência dos próprios militares, não está apenas em crise. Está em profundo questionamento. A representatividade das atuais legendas está cada vez menor. Hoje, existem militâncias da sociedade civil que conseguem muito mais organicidade do que os partidos políticos de existência institucional, tanto à direita como à esquerda.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras
E-mail: maria.inesnassif@valor.com.br


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