segunda-feira, 10 de março de 2014

Brasil afasta fantasma da submissão na OEA

Alvo de "crítica insolente" de correntes conservadoras, atuação do assessor especial Marco Aurélio Garcia foi decisiva para barrar proposta de intervenção na Venezuela

A saraivada de artigos e editoriais contra Marco Aurélio Garcia, assessor internacional da Presidência da República, tem sua razão de ser. Não foi pouca a pressão, sobre o governo brasileiro, para que capitulasse diante de uma linha intervencionista e crítica ao governo constitucional de Nicolás Maduro, na Venezuela. Mas o Palácio do Planalto manteve-se firme e o Brasil deu seu voto, na OEA (Organização dos Estados Americanos), junto com outras 28 nações, para derrotar a moção sustentada apenas por Estados Unidos, Canadá e Panamá.

Muito dessa postura se deve a Marco Aurélio Garcia. Correntes conservadoras, incluindo aquelas que ainda dão as cartas em algumas salas do Itamaraty, gostariam de ver a presidente romper com a política internacional inaugurada por Lula e retornar à diplomacia dependente, que girava na órbita da Casa Branca. A voz mais íntegra, preparada e sólida contra essa alternativa sempre foi a do professor, como lhe chamam amigos e até alguns desafetos.

Não é surpresa para ninguém, portanto, que sobre seu lombo venha o chicote da velha mídia, comprometida visceralmente com a derrubada do governo Maduro. Marco Aurélio Garcia, além do mais, criticou abertamente a campanha de desinformação e manipulação levada a cabo por veículos tradicionais das grandes famílias burguesas do continente, envolvidos até o talo na guerra psicológica para desestabilizar, nacional e internacionalmente, o processo bolivariano.

Fabio Rodrigues Pozzebon/Agência Brasil

Atuação do assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, foi decisiva para barrar proposta de intervenção na Venezuela

Talvez a mensagem brasileira fosse ainda mais competente e altiva se a chancelaria estivesse sob o comando do histórico quadro petista. Mesmo sem ocupar o posto, a verdade é que Marco Aurélio funciona como lugar-tenente da presidente Dilma, na defesa dos interesses brasileiros e progressistas, quando potências ocidentais, particularmente os Estados Unidos, tentam reduzir o país a um apêndice de sua diplomacia. A imprensa dos monopólios, ao contrário, opera como quartel-general da estratégia de subalternidade.

A política internacional do país, ainda que marcada por contradições e freios, mudou a inserção do Brasil no mundo. Não apenas porque passou a ter papel relevante na luta para esvaziar a hegemonia norte-americana, imperialista e antidemocrática por natureza, mas também pela razão de ter criado novos espaços para o desenvolvimento econômico, através de múltiplos mecanismos que já não são lastrados pelo aval de Washington.

A trajetória é muito positiva. Primeiro, o projeto da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) foi soterrado, afastando ameaças maiores, de inspiração neocolonial, cujo objetivo era a integração subordinada da economia brasileira e das demais nações da região à batuta norte-americana. Depois, seguiu-se o relançamento do Mercosul, a criação da Unasul e da Celac, o desenvolvimento das relações sul-sul, o aprofundamento da interlocução com a África, a parceria entre os BRICs.

Fortaleceram-se novos blocos políticos e econômicos, particularmente na América do Sul. O subcontinente, apesar das dificuldades, vai desbravando caminho autônomo, que progressivamente lhe permite atuar nas grandes disputas geopolíticas e comerciais, e fora do esquadro que o designava como quintal da Casa Branca.

Nesta perspectiva, o ataque ao governo Maduro, no qual forças oposicionistas locais se combinam com o apoio estrangeiro, repetindo a lógica golpista de 2002, não diz respeito apenas aos venezuelanos. A interrupção da revolução bolivariana seria capítulo decisivo na narrativa de restauração da ordem continental anterior.

Este era o tema que estava em disputa na última reunião da OEA. Os Estados Unidos tentaram aprovar resolução que lhes permitisse, sob o manto de uma comissão de investigação, interferir oficialmente na situação venezuelana. A proposta foi rechaçada por esmagadora maioria, remetendo o assunto para arbítrio exclusivo da Unasul, na qual os norte-americanos não têm assento. Foi um momento histórico, que provocou a fúria conservadora.

Caso o Brasil tivesse se portado de maneira distinta, outro poderia ser o resultado. Esse era o desejo de círculos direitistas, que agora reverberam sua frustração através da crítica insolente a Marco Aurélio Garcia.

Não estava em jogo, afinal, a democracia venezuelana, muito bem defendida por suas próprias instituições. Os fatos falam por si. Qual outro país do planeta teve 19 contendas eleitorais em 15 anos, nas quais a esquerda sagrou-se vitoriosa em 18? Qual outra nação convive com uma imprensa privada que apoia abertamente levantes anticonstitucionais? Qual outro Estado assegura liberdade partidária tão plena que inclui agremiações dispostas a convocar ações violentas contra um governo legítimo? Basta imaginar qual seria o comportamento da Casa Branca se tais práticas ocorressem em seu território.

A votação da OEA decidiu, portanto, se a América Latina se dobraria novamente ou não ao Ministério de Colônias do governo norte-americano, como já se referiu Fidel Castro acerca da entidade agonizante. A resposta foi uma rotunda negativa, à qual se somaram até mesmo governos conservadores como os da Colômbia e Chile. O Brasil, na ocasião, fez o que lhe cabia, ajudando a defenestrar o fantasma da submissão.

* Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi e da Revista Samuel

Pinçado do Opera Mundi

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