Do Correio Braziliense
De Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi:
Quando nossas elites resolverem fazer a prometida reforma política, bem que poderiam começar pela revisão da legislação eleitoral. Há muita coisa que repensar nas normas que regem o funcionamento do sistema político como um todo, mas talvez não haja capítulo onde a necessidade de amplas mudanças seja tão evidente quanto no que ordena as eleições.
Nossa legislação eleitoral é confusa, efêmera, artificial. Em alguns aspectos, é tão detalhista que parece obcecada com pulgas; em outros, é tão omissa que deixa escapar elefantes. Se os políticos trocam (ou trocavam) de partido como trocam de camisa, os legisladores trocam as leis eleitorais (ou os tribunais ao aplicá-las) como os estilistas trocam (ou trocavam) a altura das saias a cada temporada.
Quando o vento sopra a favor do liberalismo, temos regras brandas. Quando o clima é propício ao endurecimento, ficam severas. Uma hora, pode-se tudo; outra, nada.
Afinal, o que é permitido e o que é proibido fazer nos horários que a legislação concede aos partidos políticos na televisão e no rádio a cada semestre? Destinados à divulgação das ideias e propostas de cada um, até onde são livres para estabelecer o que vão dizer?
Há um paradoxo na pergunta. Se um partido político representa o pensamento de uma corrente de opinião suficientemente expressiva para ultrapassar as barreiras que existem para impedir que qualquer um possa fazer o mesmo, quem teria o direito de proibi-lo de falar o que quiser? Respeitados os princípios constitucionais básicos, ele poderia tudo.
Se o PT quer usar seu tempo de televisão para falar bem de Dilma, como fez, por qual razão não poderia? Se o PSDB quiser usar o seu para elogiar José Serra, como fez, estaria proibido?
A resposta que não podem, por que as leis não deixam nos leva a pensar na legislação vigente. No caso, nas leis que definiram esse absurdo lógico em que nos metemos, de desejar o fortalecimento dos partidos e pouco fazer para alcançá-lo.
Sua primeira formulação aconteceu, talvez não por acaso, alguns meses antes do Ato Institucional nº 2, de 1965, que violentou o sistema partidário brasileiro, extinguindo os partidos existentes e inventando um bipartidarismo que nunca funcionou. Em julho daquele ano, foi promulgada a Lei 4.737, que, pela primeira vez, reservava horários na televisão para a “propaganda permanente do programa dos partidos”. Nela, também foi fixado que os candidatos só poderiam fazer propaganda após “a respectiva escolha em convenção”.
Foi, assim, há 45 anos, em plena ditadura militar, que criamos os fundamentos das regras esdrúxulas que temos. Delas, exalava uma óbvia resistência aos partidos e à atividade política, coerente com os tempos que o país vivia. Incoerente é sua sobrevivência na democracia.
As regras são tão sem sentido que, faz muito tempo, ninguém as leva a sério. Desde a redemocratização, os tribunais decidiram deixar que os partidos usassem seu tempo de televisão com liberdade, assim como fizeram vista grossa ao descumprimento da ficção de que as campanhas só começam depois das convenções.
Por isso, todas as eleições que fizemos de 1989 para cá foram marcadas pelo uso eleitoral dos horários partidários na televisão, como é natural que acontecesse. Collor se elegeu os utilizando com competência, como Fernando Henrique e Lula. Todas as campanhas presidenciais, bem como as de governador e prefeito, foram antecedidas pelo seu aproveitamento na apresentação ou consolidação de candidaturas.
Essas foram as normas reais que prevaleceram nos últimos 20 anos, mesmo que as velhas normas escritas não tivessem sido formalmente revogadas. Todos os partidos, sem exceção, seguiram o figurino. Como nestas eleições. Ciro, Marina, Serra (na época junto com Aécio) e Dilma foram as estrelas dos horários e inserções de seus partidos. Alguém adivinha por quê?
Agora, há quem se diga indignado com o recente programa do PT, veiculado semana passada. Talvez quem suponha que foi por causa dele que Dilma subiu nas pesquisas e parece próxima de ultrapassar Serra. Ou seja, quem não entende por que ela cresce.
Nele, no entanto, nada houve além da observância das normas aceitas, ainda que não-escritas, de nosso sistema político. E, quem sabe, das que poremos por escrito um dia, quando resolvermos reduzir o nível de hipocrisia que existe hoje
De Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi:
Quando nossas elites resolverem fazer a prometida reforma política, bem que poderiam começar pela revisão da legislação eleitoral. Há muita coisa que repensar nas normas que regem o funcionamento do sistema político como um todo, mas talvez não haja capítulo onde a necessidade de amplas mudanças seja tão evidente quanto no que ordena as eleições.
Nossa legislação eleitoral é confusa, efêmera, artificial. Em alguns aspectos, é tão detalhista que parece obcecada com pulgas; em outros, é tão omissa que deixa escapar elefantes. Se os políticos trocam (ou trocavam) de partido como trocam de camisa, os legisladores trocam as leis eleitorais (ou os tribunais ao aplicá-las) como os estilistas trocam (ou trocavam) a altura das saias a cada temporada.
Quando o vento sopra a favor do liberalismo, temos regras brandas. Quando o clima é propício ao endurecimento, ficam severas. Uma hora, pode-se tudo; outra, nada.
Afinal, o que é permitido e o que é proibido fazer nos horários que a legislação concede aos partidos políticos na televisão e no rádio a cada semestre? Destinados à divulgação das ideias e propostas de cada um, até onde são livres para estabelecer o que vão dizer?
Há um paradoxo na pergunta. Se um partido político representa o pensamento de uma corrente de opinião suficientemente expressiva para ultrapassar as barreiras que existem para impedir que qualquer um possa fazer o mesmo, quem teria o direito de proibi-lo de falar o que quiser? Respeitados os princípios constitucionais básicos, ele poderia tudo.
Se o PT quer usar seu tempo de televisão para falar bem de Dilma, como fez, por qual razão não poderia? Se o PSDB quiser usar o seu para elogiar José Serra, como fez, estaria proibido?
A resposta que não podem, por que as leis não deixam nos leva a pensar na legislação vigente. No caso, nas leis que definiram esse absurdo lógico em que nos metemos, de desejar o fortalecimento dos partidos e pouco fazer para alcançá-lo.
Sua primeira formulação aconteceu, talvez não por acaso, alguns meses antes do Ato Institucional nº 2, de 1965, que violentou o sistema partidário brasileiro, extinguindo os partidos existentes e inventando um bipartidarismo que nunca funcionou. Em julho daquele ano, foi promulgada a Lei 4.737, que, pela primeira vez, reservava horários na televisão para a “propaganda permanente do programa dos partidos”. Nela, também foi fixado que os candidatos só poderiam fazer propaganda após “a respectiva escolha em convenção”.
Foi, assim, há 45 anos, em plena ditadura militar, que criamos os fundamentos das regras esdrúxulas que temos. Delas, exalava uma óbvia resistência aos partidos e à atividade política, coerente com os tempos que o país vivia. Incoerente é sua sobrevivência na democracia.
As regras são tão sem sentido que, faz muito tempo, ninguém as leva a sério. Desde a redemocratização, os tribunais decidiram deixar que os partidos usassem seu tempo de televisão com liberdade, assim como fizeram vista grossa ao descumprimento da ficção de que as campanhas só começam depois das convenções.
Por isso, todas as eleições que fizemos de 1989 para cá foram marcadas pelo uso eleitoral dos horários partidários na televisão, como é natural que acontecesse. Collor se elegeu os utilizando com competência, como Fernando Henrique e Lula. Todas as campanhas presidenciais, bem como as de governador e prefeito, foram antecedidas pelo seu aproveitamento na apresentação ou consolidação de candidaturas.
Essas foram as normas reais que prevaleceram nos últimos 20 anos, mesmo que as velhas normas escritas não tivessem sido formalmente revogadas. Todos os partidos, sem exceção, seguiram o figurino. Como nestas eleições. Ciro, Marina, Serra (na época junto com Aécio) e Dilma foram as estrelas dos horários e inserções de seus partidos. Alguém adivinha por quê?
Agora, há quem se diga indignado com o recente programa do PT, veiculado semana passada. Talvez quem suponha que foi por causa dele que Dilma subiu nas pesquisas e parece próxima de ultrapassar Serra. Ou seja, quem não entende por que ela cresce.
Nele, no entanto, nada houve além da observância das normas aceitas, ainda que não-escritas, de nosso sistema político. E, quem sabe, das que poremos por escrito um dia, quando resolvermos reduzir o nível de hipocrisia que existe hoje
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