segunda-feira, 24 de maio de 2010

Entrevista - Márcio Zimmermann

Autor(es): Karla Mendes
Correio Braziliense - 24/05/2010

Em defesa de Belo Monte, ministro de Minas e Energia elogia participação do Estado no financiamento da obra e descarta implosão do consórcio

Toda a choradeira sobre o custo de R$ 19 bilhões para a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA), não passa de jogo do setor privado para lucrar mais com o empreendimento. A afirmação é do ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann. Ele é enfático ao destacar a viabilidade da usina. “No setor elétrico, a gente sempre soube que Belo Monte era mais barata que Jirau e Santo Antônio. O que sempre tem é o jogo, né? Se eu estivesse disputando (o leilão), na época, eu faria o mesmo jogo. O que se quer é maximizar o meu retorno. Então é normal (esse tipo de questionamento)”, ressalta.

O ministro descarta a hipótese de que a taxa de retorno não seja atrativa para os investidores. E é categórico ao negar as especulações de que o consórcio vencedor esteja “micando”. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.

“BNDES não está fazendo de bonzinho”


Os chineses revelaram seu apetite pelo setor elétrico brasileiro ao anunciar a aquisição de sete concessionárias de energia, entre elas a espanhola Expansión Transmissão de Energia Elétrica (ETEE). Isso é reflexo do agravamento da crise na Europa, que obrigou os espanhóis a vender ativos?
Confesso que, com relação à motivação que levou um grupo a fazer negócio com outro, eu não sei. Mas de qualquer forma, conforme a legislação brasileira, toda empresa que trabalha com concessões, alterando o controle, é obrigada a ter aprovação pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e preencher determinados requisitos. Essa é que é a regra do jogo no Brasil. Então, na verdade, a única coisa que posso te dizer do ramo é que a China é um país muito desenvolvido em transmissão.

Isso mostra a mudança de cenário do Brasil, que têm atraído diversos investidores estrangeiros?
Quando você pega os últimos 10 anos, o Brasil é considerado o país que mais atraiu investimento externo para o seu setor de energia elétrica. Isso é sinal de que o nosso modelo está muito vivo e muito dinâmico.

Por que ocorre isso? É porque há uma demanda crescente de energia e muitos projetos para serem desenvolvidos?
Sim. E a própria estabilidade. É um país que respeita contratos. É um país que tem regras claras, definidas. Tem uma estrutura do setor funcionando bem, bem equilibrada. Você tem o órgão regulador atuando, o poder concedente atuando, agentes disputando, e tudo isso é positivo.

Qual a principal diferença em relação ao passado?
Se nós falarmos da década de 90, naquela época, o modelo que nós tínhamos não atraía muito os investidores. Atraiu no caso da privatização, mas depois não atraiu para fazer investimentos porque as próprias empresas não conseguiam regras claras para o contrato de venda de energia. Quem ia fazer geração não tinha certeza se ia conseguir vender. Com o novo modelo, em 2004, a empresa distribuidora só distribui. E a geradora tem esse mercado (para vender energia).

Mas muitos especialistas criticam o modelo energético que está em vigor.
Acho que a melhor forma de aferir se o modelo é adequado ou não é quando você está atraindo investimentos. O nosso modelo hoje permite que a empresa estatal eficiente permaneça, porque ela vai disputar com o setor privado, e quem ganha com isso é o consumidor.

Como o consumidor é beneficiado nesse processo?
Nos leilões de Jirau e Santo Antônio, por exemplo, montamos dois grupos, que provocaram deságios que permitiram uma tarifa mais baixa para o consumidor. Em Belo Monte, ocorreu a mesma coisa. Isso tudo acaba trazendo a tal modicidade tarifária em função do clima de competição (entre as empresas). Essa é a base do dinamismo que nós temos no setor elétrico brasileiro.

Mas há críticas de que a tarifa acabou ficando mais baixa devido aos benefícios do BNDES e que, indiretamente, o contribuinte é que paga, usando ou não essa energia.
O que tem de verdade é o financiamento do BNDES, com prazo de 30 anos. Em qualquer lugar do mundo, para obras de infraestrutura desse tipo, você tem de 30 anos para mais, em alguns países até 50 anos, dependendo do tipo de projeto. No Brasil, até cinco anos atrás, só davam de 12 a 14 anos de (prazo de) financiamento. Quando você dá esse prazo, o que acontece com o projeto? Você carrega no custo. É muito pouco tempo para recuperar (o investimento). Em 2006, nós conseguimos aprovar que o BNDES desse 20 anos para projetos que tivessem mais de mil megawatts. E, finalmente, em 2007, com Jirau e Santo Antônio, nós conseguimos 25 anos. Aí, quando chega Belo Monte, que é um investimento maior que esses aqui, o BNDES analisou (e concedeu 30 anos).

O que motivou essa mudança?
A partir do momento que se consegue estabilizar uma economia como a nossa, cria-se uma expectativa para o banqueiro melhor. O BNDES não está fazendo só de bonzinho e nem vai ter prejuízo com isso. Em termos econômicos pode ser uma vantagem de R$ 5 bilhões, R$ 6 bilhões (para o grupo vencedor). Aí você dizer que isso aqui é subsídio? Não. Eu estou começando a tratar no Brasil projetos de infraestrutura desse porte. Nós temos uma economia estável há vários anos, vivendo não mais de bolha, mas de um crescimento sustentável. O banco se sentiu confortável para isso, e quando você olha o balanço do banco, ele não tem dado prejuízo.

Mas isso não é subsídio?
Não. Uma Belo Monte em eólica na Espanha custaria US$ 31 bilhões, ou 22 bilhões, 23 bilhões de euros. O subsídio que dão é de 25 euros por megawatt/hora, pois o custo para remunerar o capital investido seria de 85 euros, mas a média que um espanhol paga são 65 euros. Aí nossos analistas de plantão dizem que Belo Monte é ineficiente. Por quanto vai sair Belo Monte? US$ 13 bilhões, US$ 14 bilhões.

Belo monte, então, é um marco da mudança de patamar de financiamentos no Brasil?
É. Descomprimiu o projeto e tudo isso tirou pressão de cima do consumidor. Porque o investidor não ia tirar do bolso. Ele ia botar no preço. E quando põe no preço, quem paga é o consumidor.

As construtoras de menor porte dizem que não haverá espaço para as construtoras líderes de mercado no consórcio vencedor. O senhor acredita que elas têm mesmo condições de tocarem o projeto sozinhas?
Eu acho que você tem regras claras no Brasil. Dois grupos disputaram. Um ganhou. Um só deu aquele deságio pequeno e perdeu, e o outro ganhou. O grupo que ganhou vai ter que honrar esse preço. É risco dele. Se ele fizer por menos, ele ganha. Se ele fizer por mais, ele perde.

Fala-se, nos bastidores, que o consórcio estaria “micando” e que o governo estaria trabalhando para tentar manter o grupo a qualquer custo.
Pelo contrário. Não vejo essa hipótese. No setor elétrico, a gente sempre soube que Belo Monte era mais barata que Jirau e Santo Antônio. O que sempre tem é o jogo, né? Se eu estivesse disputando (o leilão), na época, eu faria o mesmo jogo. O que se quer é maximizar o retorno. Então é normal (esse tipo de discussão). Só as otimizações que já saíram até agora reduzem ainda mais o custo da usina. Isso aí, para mim, está é atraindo (mais investidores). Por exemplo, estavam previstos 230 milhões, 240 milhões de metros cúbicos de escavação. Na otimização que o grupo está estudando, vão fazer um canal só (em vez de dois). Aí reduz em 25% o volume de escavação. Então, tem várias otimizações assim que o grupo agora começa a abrir o jogo.

Então essa história de que a obra não é rentável é balela? A taxa de retorno oferecida é atrativa?
Sim. E, na época, acho que nem trabalhavam com um canal só.

Na sua visão, os investimentos feitos pelas distribuidoras de energia elétrica estão sendo suficientes para garantir a qualidade do serviço?
Eu digo o seguinte: o que o setor privado mais pede é que o governo respeite os contratos. Por ouro lado, o que o governo mais exige é que os agentes respeitem o contrato de concessão. Então, se o governo está cumprindo a parte dele, o agente é obrigado a cumprir a sua. E, para isso, temos a Aneel, que regula e fiscaliza esse contrato de concessão.

Mas pelas frequentes reclamações dos consumidores e pelos índices de corte de fornecimento, subentende-se que elas não têm respeitado tanto assim esses contratos. A CEB, por exemplo, teve muitos problemas aqui em Brasília.
Exatamente. Logo que eu assumi, eu chamei a diretoria da CEB, pedindo ações nesse sentido, assim como pedi à Aneel que intensificasse a fiscalização. No fundo, estava dando continuidade ao que o (ex) ministro Edison Lobão já tinha feito com a Light e a Ampla. Como poder concedente, você atua, no sentido de que eu não estou fora do jogo. Então, órgão regulador, faça a sua parte. Agente, faça a sua parte. Porque como poder concedente, eu estou de olho em vocês.

A CEB distribuiu 9,2 milhões em dividendos para os acionistas, recentemente, em um cenário complicado como esse.
Eu não acompanhei esse processo. Ela é uma S.A. e tem regras para seguir. O que eles me garantiram é que tem uns terrenos grandes aqui em Brasília, que estão vendendo para investir. São duas áreas muito valorizadas. Eles têm que investir, porque o contrato de concessão precisa ser honrado.

Estima-se que o Brasil pode crescer até 7%, 8%. Nesse ritmo, há risco de apagão?
Em 2001, 2002, naquela época, você não tinha sinais firmes para investir em geração nem em transmissão. Qual o cenário que nós temos hoje? Implica que três anos antes de vencer, eu vejo qual a necessidade do mercado, e licito usinas. Então, eu vou monitorando. Todo ano, eu peço a declaração ao distribuidor do que o mercado precisa. Depois, olho também o que precisa o mercado nos próximos cinco anos. Por que três e por que cinco? Porque em três anos eu faço uma termelétrica e em cinco anos eu faço uma hidrelétrica. Então, se o Brasil crescer 7%, 10%, esse modelo já prevê regras para isso. As coisas mais importantes nesse modelo são: o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que vai acompanhando como está indo tudo isso, e o planejamento, quando estruturo a secretaria do ministério e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Então, eu tendo isso, eu atuo tempestivamente, antes de dar problema.

Por que deu problema no passado?
Porque eu desmontei o planejamento. Na época saiu aquela tese de que o mercado resolve tudo. Só que, em qualquer lugar do mundo, é muito difícil você achar que, em energia elétrica, você pode estalar o dedo e resolver na hora. Não existe isso. Você tem que agir sempre. Tem que pensar na frente. Você não pode ser pego de surpresa, porque energia elétrica é um bem para a sociedade que ninguém consegue viver sem. Os governo não podem se omitir. Talvez uma falha que deu aquele problema de racionamento foi, justamente, a omissão do governo para achar que o mercado ia resolver. Não é assim. O governo tem que ir monitorando e atuando na hora certa, para que não haja desequilíbrio entre oferta e demanda.

Memória
Usina polêmica

O leilão da hidrelétrica de Belo Monte ocorreu em 20 de abril, em meio a uma guerra de liminares na Justiça. O processo de licitação só pôde ser iniciado depois que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) cassou liminar expedida na noite anterior pela Justiça Federal do Pará. Protestos de ambientalistas e de representantes de movimentos sociais e indígenas marcaram a licitação. Ativistas do Greenpeace jogaram esterco na porta da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Participaram da concorrência dois consórcios: um liderado pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), denominado Norte Energia, que venceu a concorrência, e outro encabeçado por Furnas e Eletrosul, batizado de Belo Monte. Belo Monte será a segunda maior hidrelétrica do país, atrás apenas de Itaipu

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