Retirado do Escrevinhador
André Singer
A revista “Caros Amigos”, na qual tenho o prazer de manter uma coluna mensal (“Tacape”), acaba de mandar às bancas uma edição especial sobre as eleições. Entrevistas, reportagens e ótimos artigos que, em muitos momentos, fazem a crítica às limitações do governo Lula – crítica feita sempre pela esquerda.
Entre os destaques, a ótima entrevista de Tatiana Merlino com o cientista político André Singer. Ex-porta-voz e ex-secretário de Imprensa do presidente Lula, Singer analisa o realinhamento eleitoral ocorrido desde 2006, “quando setores de classe média que historicamente tinham votado no presidente Lula desde 1989, deixaram de votar e foram substituídos por eleitores de baixíssima renda – que, na proporção de 2006, nunca tinham votado nem no presidente Lula nem no PT”.
A esse fenômeno, Singer dá o nome de “lulismo”, já que, segundo ele, está estruturado em torno da figura do presidente, e não do PT. O professor da Universidade de São Paulo (USP) explica que a nova base eleitoral de Lula, que ele denomina de subproletariado, é composta de trabalhadores que não encontram no mercado de trabalho remuneração adequada e mantêm posicionamentos tanto de esquerda quanto de direita.
Compre a revista na banca. Vale a pena. A seguir, um trechinho da entrevista com André Singer…
CAROS AMIGOS – O que você chama de lulismo?
É um realinhamento eleitoral que ocorreu, a meu ver, em 2006, quando setores de classe média que historicamente tinham votado no presidente Lula, desde 1989, deixaram de votar e foram substituídos por eleitores de baixíssima renda – que, na proporção de 2006, nunca tinham votado nem no presidente Lula nem no PT.
- Por que eles passaram a votar no Lula?
A minha hipótese é que eles estavam respondendo a um conjunto de políticas que foram adotadas no primeiro mandato e que depois iriam ser aprofundadas no segundo mandato. São fundamentalmente políticas de formalização do emprego, aumento do salário mínimo, expansão do crédito e programas de transferência de renda – particularmente o Bolsa Família.
- Em seu artigo “Razões Sociais e Ideológicas do Lulismo”, você afirma que a ideologia do subproletariado é composta de elementos de esquerda e direita, por quê?
Eu diria que é a ideologia que, de alguma maneira, responde a essa fração de classe. Essa é uma ideologia que mistura elementos de esquerda e de direita pelo seguinte: ela tem elementos que são historicamente do programa da esquerda, como a posição a favor de uma intervenção forte do Estado na economia, sobretudo com vista à distribuição da renda. Ao mesmo tempo, ela quer que isso aconteça por meio de um reforço da autoridade do Estado sem que ocorra qualquer tipo de ameaça à ordem estabelecida. Esse desejo de manutenção da ordem, essa valorização da ordem é um elemento que nós poderíamos chamar de conservador. Então, isso seria a explicação de porque que eu digo que há junção de elementos de direita e esquerda.
- Não seria uma contradição que o subproletariado que apoia o Lula seja defensor da manutenção da ordem? Isso significa que o Lula e o seu governo não são vistos como de esquerda, como uma ameaça a ordem?
Não, você aí tem vários elementos que precisam ser considerados separadamente. Em primeiro lugar, é compreensível que o subproletariado tenha esse apego à ordem se a gente pensar que são setores muito vulneráveis. Ou seja, justamente pela posição de classe que eles ocupam, eles têm pouquíssima proteção, por exemplo, eles não têm acesso ao mundo sindical. Então, eles não têm como se proteger diante das oscilações normais do mercado, ou mesmo de situações de conflito político que possam, de alguma maneira, afetar sua condição de vida. Embora eles sejam setores prejudicados pela ordem, é compreensivo que tenham um apego a essa ordem. Por outro lado, justamente o que eu procurei mostrar no artigo é que o primeiro mandato do presidente Lula fez esse conjunto de políticas – que foram políticas distributivas que eu citei no começo – que explicam por que ele veio a ter o voto em massa de eleitores de baixíssima renda, mas fez isso sem radicalização, ou seja, não por meio de um conflito político. Ele tomou todas as medidas que eram necessárias para que não houvesse radicalização. Sobretudo mantendo as principais linhas de conduta macroeconômica, que já vinham do período anterior.
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