Moradora de Águas Lindas, no entorno do Distrito Federal, a mãe de um filho autista estava desistindo de levar o menino à escola na Ceilândia (DF) que atende crianças com necessidades especiais. Apesar de o filho não pagar a passagem, ela só tinha direito à gratuidade nos ônibus que circulam em Brasília e cidades satélites, como prevê uma lei local. Como tinha que usar transporte interestadual, o pagamento da sua passagem estava insustentável para o apertado orçamento familiar.
Resolveu procurar um agente do programa Justiça Comunitária, na busca de alternativa para o seu caso, que se tornou emblemático para mostrar como funciona a bem sucedida experiência de mediação comunitária no DF. O agente analisou a demanda em conjunto com a equipe interdisciplinar, que reúne um advogado, um psicólogo e um assistente social, recrutados no quadro do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT). Concluíram que deveria haver outras mães em situação idêntica.
Localizaram 68 e uma rede social dessas mães começou a ser construída, exemplificando bem uma das atividades do programa, que é a animação de redes, como explica a juíza Gláucia Falsarella Foley, coordenadora do Justiça Comunitária. "O que chegou com aparência de caso individual era uma demanda coletiva", classifica a juíza em entrevista ao Jornal do Senado.
A outra etapa foi identificar os problemas de relacionamento com cobradores e motoristas, que desconfiavam da veracidade das carteiras de passe livre apresentadas pelas mães. Como muitas das crianças são autistas, não aparentam ser portadoras de necessidades especiais. Em reunião entre as mães e um defensor público da União, verificou-se a viabilidade de uma ação civil pública, já que é direito constitucional das crianças o acesso à escola.
Porém, ofereceu-se à rede de mães a alternativa da mediação. Ao mesmo tempo, elas entenderam que havia necessidade de uma lei federal para garantir gratuidade da passagem do acompanhante. "Isso é educação para o direito, outra atividade do programa", informa Gláucia. Foram feitas, segundo a juíza, três pré-mediações: uma com as mães, outra com motoristas e cobradores e a terceira com gerentes das empresas de transporte interestadual.
No encontro com os representantes das companhias, esclareceu-se que, caso a mediação não resultasse em consenso em relação ao aspecto econômico, a demanda seria encaminhada à Defensoria Pública. As empresas, segundo a juíza, demonstraram interesse em buscar uma solução pacífica para o conflito. Com os motoristas e cobradores, houve a possibilidade de as mães entenderem suas dificuldades diárias, tanto para assegurar que idosos e portadores de necessidades especiais tenham seus direitos respeitados pelos demais usuários quanto para aferir a veracidade das carteiras de passe livre, que não apresentam foto do beneficiário, e há número elevado de falsificações.
Após essa primeira rodada, foi feita a mediação comunitária com a participação das três partes do conflito. Todos puderam expressar os seus problemas e enxergar as dificuldades econômicas das mães e as tensões no relacionamento com cobradores e motoristas. Ao final, houve acordo, evitando mais um processo na Justiça. As empresas aceitaram a apresentação da carteira emitida pelo governo do DF, garantindo a gratuidade a esses acompanhantes de portadores de necessidades especiais em linhas interestaduais.
As mães se comprometeram a apresentar as carteiras de passe livre, com a documentação da criança sempre que solicitado. E os motoristas e cobradores comprometeram-se a abordar os usuários especiais e seus acompanhantes de maneira mais cuidadosa, colaborando para a criação de um ambiente mais favorável à pacificação social.
Cíntia Sasse / Jornal do Senado
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