México caça os assassinos dos 72 imigrantes
Reação à matança
Autor(es): Rodrigo Craveiro e Javier Oliva Posada
Correio Braziliense
Exército e Marinha realizam caçada aos assassinos de 72 imigrantes ilegais, no estado de Tamaulipas. Presidente Felipe Calderón propõe medidas para atingir as finanças de narcotraficantes.
Os moradores da cidade de San Fernando, no estado de Tamaulipas, situada a apenas 160km ao sul de Brownsville (Texas), já sofrem os efeitos da descoberta macabra de 72 corpos de imigrantes ilegais. O presidente Felipe Calderón decidiu responder com mão de ferro à matança, que vitimou hondurenhos, salvadorenhos, equatorianos e pelo menos quatro brasileiros. Para combater o narcotráfico, mobilizou duas frentes: a militar e a financeira. Além de buscar justiça para uma das piores chacinas da história do México, o governo tenta se impôr sobre o nordeste do país. Na região, disputada pelos cartéis de Los Zetas e do Golfo, o medo é palavra de ordem. “As forças federais passaram a ser bastante seletivas em seus ataques. Temos notado que passaram a atacar os Zetas com mais frequência”, conta ao Correio, pela internet, O.C. — um fazendeiro que vive a 30km do rancho onde a Marinha mexicana encontrou os cadáveres. Durante todo o dia de ontem, ele não saiu de sua propriedade. “Os militares tomaram o controle dos acessos a Reynosa e San Fernando, as duas cidades mais perigosas. Antes, a segurança ficava por conta das polícias municipais, mas as prefeituras servem aos cartéis, e as polícias municipais e estatais são a infantaria do crime organizado”, denuncia.
Enquanto tanques de guerra, helicópteros e soldados fortemente armados realizavam uma caçada aos assassinos, em Tamaulipa, uma comitiva de diplomatas chegava à região para ajudar a identificar os corpos. Por telefone, da Cidade do México, Maria Aparecida Weiss, cônsul-geral adjunta do Brasil no México, afirmou à reportagem que o cônsul Márcio Lage e o vice-cônsul João Batista Zaidan estão em Reynosa, a 147km de San Fernando, à espera de uma confirmação documental sobre as vítimas. “As autoridades mexicanas nos informaram que o evento teria ocorrido no sábado à noite. Ainda não é possível dizer quantos brasileiros morreram. Nossa equipe está lá para confirmar”, comenta.
Às 19h30, o Itamaraty confirmou ao Correio que 28 corpos passaram pela necropsia. “O processo é muito lento, porque eles têm poucos médicos legistas”, declarou uma fonte do Ministério das Relações Exteriores, segundo a qual não há informações sobre a nacionalidade dessas 28 pessoas. “O sobrevivente equatoriano teria relatado às autoridades que quatro brasileiros estavam no grupo”, acrescentou. O jornal mexicano El Universal divulgou que a Marinha e o Exército selaram as rodovias que ligam San Fernando a Ciudad Victoria — capital de Tamaulipas —, Reynosa e Matamoros, após a Procuradoria-Geral da República ter tomado conhecimento de boatos sobre a exististência de mais corpos em covas situadas em ranchos da região. Os Estados Unidos se dispuseram a ajudar os vizinhos na investigação da chacina. “Cooperaremos totalmente no que pudermos para apoiar o México, enquanto investiga esses crimes horrendos”, disse Philip Crowley, porta-voz do Departamento de Estado.
Pacote
À medida que o cerco aos cartéis se intensificava, o governo de Calderón anunciava um pacote de medidas para minar o poder financeiro dos narcotraficantes. O presidente propôs a proibição do uso de dinheiro para a compra de imóveis, carros, aviões, barcos ou joias com valor superior a 100 mil pesos (cerca de US$ 8 mil). “É uma das poucas medidas dirigidas a abater a lavagem de dinheiro no México. É inexplicável que, mesmo sabendo que o narcotráfico é um tema de ‘dinheiro fácil’, as autoridades tomem essas medidas somente depois de tragédias e crimes”, desabafa Javier Oliva Posada, coordenador do Seminário de Segurança Nacional da Universidad Nacional de Mexico. Para ele, a restrição da compra de bens é interessante, mas tardia. “O governo sempre tem ficado para trás. Quase quatro anos depois de iniciado o combate aos cartéis, só agora começa uma verdadeira ofensiva legal e penal”, acrescenta.
Para que as propostas se transformem em lei, precisarão passar pelo crivo do Congresso, dominado pelo opositor Partido Revolucionário Institucional (PRI). “Hoje, mais que nunca, é inadiável atuar e contar com instrumentos que permitam golpear os criminosos onde mais lhes dói, em suas finanças”, declarou Calderón. “É um momento chave, de cerrar fileiras e de entender que os inimigos são os criminosos.” Enquanto isso, a uma hora e meia de San Fernando, em Ciudad Victoria, o advogado Eduardo Saldaña, 25 anos, vê o medo se converter em terror. “À noite, não podemos viajar pelas rodovias. Em junho, mataram o governador. Pensávamos que nada pior pudesse ocorrer.”
É inadiável atuar e contar com instrumentos que permitam golpear os criminosos onde mais lhes dói, em suas finanças”
Felipe Calderón, presidente do México
O número
28 mil
Total de mortos na violência desencadeada pelo tráfico de drogas no México desde 2006.
Dinheiro ilegal na mira
» Iniciativas do presidente Felipe Calderón para combater o crime organizado
» Proibir a aquisição de qualquer bem imóvel
» Proibir o pagamento, em dinheiro, de mais de 100 mil pesos na aquisição de carros, relógios, joias, boletos de apostas e sorteios
» Eliminar lacunas jurídicas para evitar o uso de “testas de ferro” — figuras similares que permitam à delinquência ocultar operações ilícitas
» Colocar o Ministério das Finanças para trabalhar mais duro no combate à lavagem de dinheiro do tráfico de drogas
Artigo
Ladeira abaixo
Os imigrantes latino-americanos assassinados no rancho de San Fernando nos revelaram as enormes contradições, a perda de sensibilidade generalizada e, o mais grave, uma tragédia a seguir. Eu me refiro à incongruência… Enquanto os jornais mexicanos se saturam de declarações da Secretaria de Relações Exteriores, do governo, do Instituto Nacional de Imigração e da Secretaria de Segurança Pública Federal, o desrespeito aos imigrantes, em nosso país, é muito pior do que o recebido pelos mexicanos nos Estados Unidos. Pelo menos lá são deportados vivos. Maltratados, a grande maioria. No entanto, vivos.
A gravidade do massacre é proporcional à agudização da crise de segurança pública, que se estende por várias partes do país. Diálogos vão e funcionários vêm, inciativas aqui, debates ali. Precisamos avançar para reconstituir o que o sociólogo britânico George Senet chama de “tecido social”. A esperança e a certeza de um futuro melhor têm que estar ligadas diretamente às condições de paz e de harmonia, nas quais o indivíduo e sua comunidade se desenvolvem. Dali, se desprendem práticas cidadãs sãs e governos transparentes e eficazes. Nesse breve esquema de análise, encerra-se algo mais, muito mais importante que a democracia formal e representativa. Eu me refiro à qualidade de vida que temos buscado. A partir de cada uma de nossas atividades, contando com as estruturas de governo, de produção e de serviços e com o estado de direito, podemos observar o lento e inevitável processo de decomposição de nosso país.
Cada grave acontecimento em segurança pública é seguido pelo medo e pela expectativa pelo próximo evento, que superará o atual em violência. Temos nos acostumado à grave frase “Isso nunca havia ocorrido”. É fundamental que, como sociedade, levemos a sério nosso papel. Nenhum governo pode agir sozinho, muito menos quando carece de definições e de metas precisas, como ocorre em nosso país. Se aceitamos a tese de que a democracia necessita de democratas, então podemos confiar que cada uma das decisões dos operadores políticos nacionais será colocada em prática. Acreditar na democracia implica em levá-la ao cumprimento do estado de direito, em atestar que a violência do narcotráfico é “um assunto da federação”. Os mortos e os sequestrados não se distinguem por sua procedência. A dor não é local, nem federal. É isso: dor, pena e medo.
Agora, o governo mexicano enfrenta a justificada indignação de Brasil, Equador e nações centro-americanas que, durante anos, têm sido solidários com o México no tema da imigração ilegal aos Estados Unidos. A resposta já não pode ser apenas a condenação e o apoio moral (serve para algo?) por parte das principais áreas responsáveis nos estados e da burocracia federal. A menos de uma semana do IV Informe do Governo, as exigências sobem de tom, a inquietação e a incerteza a respeito de um futuro seguro e promissor se desvanecem. Nossas fórmulas aplicadas até agora têm fracassado. Nesse momento, é mais que justificável retificar, aplicar medidas que devolvam a confiança nas autoridades e deem lugar a uma sociedade mais participativa e comprometida. O ano da fundação da pátria merece e exige um ambiente melhor de celebração.
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