Segundo especialistas, os protestos que derrubaram o governo fazem parte de renascimento do ativismo árabe.
Agência Estado
Para analistas, países árabes poderão seguir o exemplo da Tunísia
Analistas ouvidos pela BBC Brasil disseram que os violentos protestos na Tunísia, que culminaram com a renuncia do presidente Zine Al-Abidine Ben Ali na última sexta-feira, servem como uma mensagem de alerta aos governos da região de que um novo ativismo começa a surgir no mundo árabe.
Segundo eles, governos totalitários enfrentam cada vez mais a insatisfação popular com a falta de soluções para os problemas econômicos, sociais e de liberdades individuais.
No entanto, dizem que ainda é cedo para falar em reações semelhantes em outros países árabes em médio prazo.
“Embora muitos tenham ficado perplexos com os protestos que sacudiram a Tunísia nas últimas semanas, eles não podem ser vistos como uma surpresa para aqueles que acompanham o cenário da região”, disse o analista político libanês Rami Khouri, do Instituto Fares da Universidade Americana de Beirute.
De acordo com Khouri, a região vive um renascimento do ativismo árabe entre as populações mais jovens e mais conscientes, com fome de liberdades individuais, emprego e desenvolvimento.
“O problema que assola a região é comum a todos -, a atual ordem política e econômica do mundo árabe, que é instável e insustentável, porque traz instatisfação para a imensa maioria de seus cidadãos”.
O clima de tensão na Tunísia começou no dia 17 de dezembro, quando o desempregado Sidi Bouzeid, de 26 anos e com formação superior, foi abordado por policiais enquanto vendia verduras na rua. Após ter sua mercadoria apreendida, ele foi impedido de prestar queixa.
Desesperado, o jovem ateou fogo no próprio corpo e morreu dias depois no hospital. A morte de Bouzeid iniciou uma série de protestos que se espalharam rapidamente pelo país e a capital Túnis.
Centenas de milhares de pessoas, entre estudantes, sindicatos e partidos de oposição, protestaram contra o desemprego, corrupção e falta de democracia.
Consciência árabe
O presidente Zine Al-Abidine Ben Ali, que estava no poder há 23 anos, tentou reprimir as manifestações com policiais nas ruas. Grupos de direitos humanos afirmam que mais de 60 pessoas morreram nos confrontos e centenas de manifestantes ficaram feridos.
Antes de renunciar, Ben Ali dissolveu o Parlamento e governo, e deixou o país junto com sua famíla. O anúncio foi feito na TV estatal tunisiana pelo primeiro-ministro Mohammed Ghannouchi, que disse estar assumindo o poder no país.
“A Tunísia é um modelo de mudança na região porque foi orquestrado por seus cidadãos, que chegaram em um ponto de enfrentar as forças de repressão. O que se viu nas ruas de Túnis foi uma mensagem clara aos ditadores árabes, de que quando os cidadãos não temem mais as balas das armas dos governantes, então os dias destes ditadores estão contados”, salientou Khouri.
Para o egípcio Haitham Bahy, analista político e diretor da Academia de Democracia Egípcia, as populações árabes mais conscientes não se deixam mais levar pelas velhas desculpas dos governantes.
Segundo ele, durante décadas, os ditadores árabes usavam Israel ou países ocidentais como desculpa para seus próprios fracassos.
“Para justificar suas políticas e incompetências, presidentes e monarcas árabes colocavam sempre a culpa em Israel ou outros países estrangeiros como forma de ganhar apoio popular e legimitização de seus poderes”.
Ele aponta os novos tempos – fluxo de informação, globalização e ativismo na internet – como implacáveis para os ditadores da região, que não conseguem mais controlar os corações e mentes como antes.
“Os governantes árabes deveriam aprender as lições da Tunísia, de que já é hora de promover reformas democráticas no mundo árabe, e os líderes da região deveriam fazer isso antes que sofram do mesmo destino do agora ex-presidente tunisiano”, diz.
Transformações
Haitham Bahy acredita que os acontecimentos na Tunísia irão repercutir durante algum tempo na região.
Ele diz que ainda é cedo para avaliar o sucesso dos acontecimentos no país do norte da África, mas acha que a Tunísia deverá avançar em vários aspectos após a queda do presidente Ben Ali.
“Arrisco dizer que uma nova era começou na região, e as massas populares muito provavelmente se espelharão no sucesso dos protestos na Tunísia. Os países da região reúnem uma combinação de fatores comum a todos: pobreza, desemprego e repressão política”, diz.
Para ele, o próximo país a ser palco de conflitos poderá ser a Argélia, onde já acontecem protestos por motivos econômicos e sociais.
“Embora em menor escala, os protestos na Argélia, inspirados por seus vizinhos, podem muito bem aumentar e resultar em mudanças naquele país”, disse ele
No entanto, o libanês Rami Khouri não acha que que mudanças em médio prazo ocorrerão em países de peso no mundo árabe, como Egito, Síria e Árabia Saudita.
“Estamos falando de Estados fortemente protegidos por um aparato de segurança e forças militares. Protestos semelhantes aos da Tunísia nestes países seriam muito mais complexos”, explicou Khouri.
Entretanto, ele acredita que em um longo prazo, o mundo árabe não poderá escapar de seu destino de mudanças.
“Eu venho dizendo isso por anos, que nós não podemos prever quando, onde, como e por quem as transformações de autocracias para democracias começarão no mundo árabe. Mas nós sabemos que essas trasnformações inevitavelmente começarão”.
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