O Congresso Nacional iniciou a discussão da reforma política. A comissão que analisa a matéria no Senado Federal tem discutido várias medidas. Uma das mais relevantes, sem dúvida, é o tema das coligações eleitorais. Tanto em eleições proporcionais (deputados e vereadores), quanto majoritárias (prefeitos, governadores, senadores e presidente), as coligações eleitorais são um dos motores da política. Seus contornos definem como os partidos se apresentam para a sociedade. As atuais regras, entretanto, contribuem apenas para desconstituir o perfil ideológico dos partidos e distorcer a vontade do eleitor. No que se refere às eleições proporcionais, as regras hoje violentam a vontade do eleitor, fazendo com que alguém vote em um partido e eleja candidato de outro. Já as alianças majoritárias são feitas basicamente com o intuito de aumentar o tempo de televisão dos candidatos, gerando negociações pouco republicanas em um espaço no qual deveria reinar o debate programático. A comissão do Senado que está discutindo a matéria aprovou o fim das coligações para eleições proporcionais. Significa que, se a matéria virar lei, o voto do eleitor a um deputado de um partido não mais ajudará a eleger um deputado de outro partido. Na última eleição, o caso mais famoso foi o do deputado Tiririca (PR-SP). Com a sua votação, ele ajudou a eleger deputados do PT e do PCdoB. Certamente isso não estava nos cálculos de quem escolheu elegê-lo, produzindo uma distorção da vontade do eleitor. A mudança na legislação não acaba com a figura do puxador de votos, apenas restringe esse fenômeno para dentro de um mesmo partido. Ou seja, um puxador de votos do PSDB elegerá apenas parlamentares do PSDB, o deputado Tiririca ajudaria exclusivamente deputados do PR, e assim por diante.
A medida é, sem dúvida, positiva, acaba com a manipulação da vontade do eleitor e obriga os partidos a reforçarem sua identidade programática, tão diluída por coligações muitas vezes feitas por razões oportunistas. Entretanto, como todas as mudanças em sistemas eleitorais, há riscos que essa medida, se não for acompanhada de alguns cuidados, produza efeitos não desejados e imprevistos. Por isso é necessário fazer um alerta sobre a mudança na forma como ela foi aprovada.
Dez estados brasileiros (Tocantins, Sergipe, Roraima, Rondônia, Amazonas, Amapá, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre) e o Distrito Federal elegem apenas oito deputados federais. Nesses distritos, em função das regras eleitorais brasileiras, o quociente eleitoral é proporcionalmente muito alto. Ou seja, um partido — ou atualmente uma coligação — precisa de 12,5% dos votos para que possa estar apto a eleger pelo menos um deputado. Em São Paulo é necessário apenas 1,4% dos votos.
Concretamente, se o voto for pulverizado em vários partidos e apenas um ou dois obtiverem mais de 12,5 % dos votos, esses partidos poderão obter todas as cadeiras em disputa. Tomando as últimas eleições como exemplo, em seis dos 11 distritos, mais da metade dos eleitores teriam votado em partidos que não elegeriam nenhum deputado. Em quatro estados e no Distrito Federal apenas dois partidos elegeriam todos os deputados. Em Roraima, os oito deputados eleitos seriam peemedebistas, mesmo tendo aquele partido obtido apenas 24,08% dos votos.
No caso do Distrito Federal, os oito eleitos seriam do PT e do PDT, que somaram 46,66% dos votos. Ou seja, a bancada de oposição ao governador não teria nenhum deputado federal.
Uma solução para esse problema seria alterar a regra matemática de distribuição de cadeiras, permitindo que todos os partidos possam participar das sobras de votos.
Mas, se fica clara a importância de se alterar as regras para coligações proporcionais, pouco se fala das coligações para a eleição majoritária. É claro que ninguém pode ser a favor de extingui-las. Afinal, as alianças nesse tipo de eleição são naturais e saudáveis para a governabilidade. Entretanto, como já dito acima, a forma como elas estão disciplinadas hoje faz com que o motor dessas alianças seja o aumento do tempo de televisão do candidato.
Em 2009, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) nº 4637/2009, que propõe uma mudança nas regras das coligações em eleições majoritárias. Pela proposta, o tempo de TV não seria mais a soma dos tempos de TV dos partidos das coligações, mas sim o tempo destinado ao maior partido da coligação. Dessa forma, de nada adiantaria aos partidos buscarem legendas menores com o intuito de aumentar o tempo do candidato. Isso mudaria completamente a lógica por trás das alianças majoritárias e estimularia coligações feitas em bases programáticas.
Assim, não se sabe qual será o alcance das mudanças propostas pelo Congresso. Mas, se houver uma importante reforma no sistema de coligações, e essa reforma for realizada com a atenção para não produzir efeitos indesejados, certamente terá sido dado um passo importante para o aperfeiçoamento do sistema político.
Pedro Abramovay
By: Rudá Ricci
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