segunda-feira, 9 de maio de 2011

A agonia de um partido

Renato Janine Ribeiro – VALOR


Dez anos atrás, analistas conservadores previam que um terceiro partido, grande e ideológico, se somaria ao PSDB, do centro, e ao PT, de esquerda. Seria o PFL (atual DEM), pela direita. Na ocasião, ele já havia perdido seu presidenciável por excelência, Luis Eduardo Magalhães, precocemente falecido. Mas Roseana Sarney, então filiada a ele, no começo de 2002 despontou como candidata favorita ao Planalto. Com o poder de ACM, na Bahia, e a inteligência de Cesar Maia, no Rio, o partido parecia ter um futuro promissor.


Assistimos agora a sua possível agonia. Fala-se em sua fusão com o PSDB, mas ela cheira mais a incorporação ou anexação do que a uma união em condições de igualdade. Com 43 deputados eleitos em 2010, o DEM se manteve como a quarta bancada na Câmara – mas decaiu muito desde a eleição de 1998, quando com 105 deputados o então PFL compunha o maior grupo parlamentar, por sinal com um número de deputados que nenhum partido conseguiu de lá para cá. Há poucas semanas, ele foi também abandonado pelos próximos do prefeito de São Paulo. A situação é ainda mais grave, se lembrarmos que o DEM já não conta com nenhum governador (o último, José Roberto Arruda, teve de renunciar em condições vergonhosas), nem prefeito de cidade importante, depois de perder Gilberto Kassab. O PSDB pode ter eleito apenas dez deputados a mais que o DEM em 2010, mas governa vários Estados, inclusive os dois maiores, e dispõe de lideranças capazes de disputar a presidência do país.

O DEM poderia ser, mas não é, o partido do Simples

Por que o DEM está se perdendo? Uma razão importante pode ser o realinhamento que o governo Lula promoveu do voto dos pobres, no Brasil. Durante muito tempo, eles votaram nos coronéis, na direita, no clientelismo. Mas, no governo Lula, os programas sociais fizeram que os pobres não organizados começassem a sufragar candidatos mais próximos de seus interesses econômicos e sociais. Isso certamente esvaziou o grande partido conservador. Outra causa pode ser a dificuldade de viver na oposição. Seus detratores diziam, maldosos, que o DEM tinha “500 anos no governo”; desde 2003, porém, ele se manteve corajosamente na oposição, mas talvez não estivesse muito preparado para isso. Porém, para analisar o esvaziamento do DEM, há cientistas políticos mais capacitados do que eu. Aqui, o que pretendo expor é por que ele não conseguiu ocupar o espaço ideológico que seria de uma direita inteligente e moderna, de um partido liberal consistente.

A visão que os liberais têm da sociedade não inclui simpatia por uma igualdade de resultados. Eles não consideram justo que pessoas que se empenharam pouco ganhem o mesmo que pessoas realmente dedicadas ao trabalho. Mas um liberal consistente defenderá, de maneira intransigente, a igualdade de oportunidades. O ponto de chegada é diferente e depende de cada um de nós. Já o ponto de partida requer ações, inclusive do Estado, para que ninguém tenha desvantagens excessivas – ou sequer vantagens exageradas. Jean-Jacques Servan-Schreiber, um dos grandes liberais do século XX, defendia até a abolição da herança. Mesmo liberais mais modestos procuram zerar as dificuldades com que muitos nascem. Por isso, a ação afirmativa e até as cotas sociais e étnicas podem se adequar bastante bem ao que chamo de liberalismo autêntico. Nada disso, porém, sequer se vislumbrou no PFL-DEM, que foi e é um partido, simplesmente, conservador.

Um liberal quer que todos comecem sem vantagens ou prejuízos imerecidos, mas com a finalidade de que cada um possa empreender o máximo possível. O verbo “empreender” tem tudo a ver com “empresário” – mas, cada vez mais, se liga a empreendedor. Há muito mais empreendedores do que empresários. Estes, geralmente, têm mais dinheiro e atuam essencialmente na economia. Já o empreendedor é com frequência um pequeno empresário e pode atuar em inúmeros setores, inclusive o social. Em outras palavras, um partido liberal de verdade deveria incentivar enormemente os pequenos empresários. Seria o partido do Simples. Não seria o partido dos ricos, das grandes empresas ou do PIB. Seria o partido dos pequenos que querem crescer com base na iniciativa e trabalho pessoais.

Mas essa categoria, ou talvez classe, social está politicamente órfã no Brasil, por assim dizer. Nenhum partido se interessa demais por ela – quando muito, o PSDB ou o PT no governo evitam prejudicá-la demais e tentam atraí-la um pouco – e ela também não se empenhou em se organizar do ponto de vista político.

Talvez o pior de tudo seja a incapacidade do DEM – e, por que não dizer, de nossos partidos – em assumir o empreendedorismo social como causa. Não, talvez me engane ao criticar todos os partidos: Ruth Cardoso, com suas ações na Comunidade Solidária, ia por aí; é possível que a franja empresarial da candidatura Marina Silva também tomasse esse rumo. Mas é digno de nota que justamente o partido que mais brandiu o termo “liberal” em nosso período republicano – o Partido da Frente Liberal, que com esse nome viveu de 1985 a 2007 – não se tenha interessado por isso. Se assim foi e assim é, lamento dizer que não se empenhou em promover o que seria seu diferencial específico, sua missão histórica.

Pode ser que o DEM sobreviva, sem fusão. Tudo indica, porém, que já perdeu seu lugar no Clube dos 4 Grandes que, a exemplo do futebol, define a política partidária brasileira. Curiosamente, parece que sua vaga foi para o PSB, que soma a uma bancada congressual não tão grande um elenco, esse sim, significativo de governadores. Mas o problema, com ou sem o DEM, é que continua nos faltando um partido autenticamente liberal.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

E-mail rjanine@usp.br

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