quinta-feira, 5 de maio de 2011

A LRF e a dívida dos estados e municípios

Do Valor

Mudança de indexador das dívidas em negociação

Ribamar Oliveira
05/05/2011

A lei complementar 101/2000, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), fez ontem 11 anos. Esse dispositivo legal é um marco das finanças públicas brasileiras. Desde que ele entrou em vigor, a administração pública ficou muito mais responsável, transparente, todos os indicadores fiscais melhoraram e a União, os Estados e municípios passaram a registrar superávits primários em suas contas e a pagar suas dívidas religiosamente em dia. Mas, por mais paradoxal que possa ser parecer, o endividamento de Estados e municípios cresceu muito nesse período. E não foi por causa de novas dívidas.


Antes da aprovação da LRF, a União renegociou todos os débitos dos governos estaduais e de algumas prefeituras, que pagavam juros muito elevados, principalmente em seus títulos lançados no mercado, devido à fragilidade financeira em que se encontravam. A ideia era que a renegociação dos débitos pela União, em condições mais favoráveis, facilitaria o equilíbrio das contas.

Os dados do Balanço Geral da União (BGU), referentes ao período de 2000 a 2010, mostram que os Estados e municípios já pagaram muito, mas o saldo das dívidas só faz crescer. O Valor analisou apenas três renegociações de débitos, feitas ao amparo das lei 8.727, de 1993, da lei 9.496, de 1997, e da Medida Provisória 2.185.

Com base nessas três leis, a União renegociou as dívidas de Estados e municípios com títulos públicos, com bancos, com instituições de crédito internacionais, com a Previdência Social, entre outros órgãos públicos. Os débitos da empresas estatais estaduais e municipais também foram renegociados, o que incluiu o saneamento dos bancos públicos estaduais.

No fim de 2000 - ano em que a LRF foi aprovada - o saldo de todas essas dívidas renegociadas pela União era de R$ 199,3 bilhões. Os pagamentos feitos pelos governos estaduais e prefeituras, a partir de janeiro de 2001 até dezembro de 2010, totalizaram R$ 199,8 bilhões, de acordo com o BGU. Mesmo assim, o saldo dessas dívidas subiu para R$ 439,8 bilhões - mais de duas vezes o valor nominal original.

Essa explosão do saldo dos débitos renegociados está diretamente relacionada ao custo financeiro assumido pelos Estados e municípios, principalmente nos contratos assinados com base na lei 9.496/97 e na MP 2.185. Utilizou-se, nos contratos, o Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI), da Fundação Getulio Vargas, mais uma taxa de juros que variava de 6% a 9% ao ano. "Naquela época, a Selic estava muito elevada e esse indexador (IGP-DI) pareceu adequado", relembrou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em audiência pública realizada terça-feira pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

Quando os contratos foram assinados, o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a ser criticado pelo suposto subsídio que estava sendo concedido aos Estados e municípios. A questão, como explicou Mantega, é que a Selic caiu muito de 1997 para cá e o IGP-DI mostrou-se um indexador inadequado, pois tem uma grande sensibilidade aos choques de preços.

Os secretários estaduais de Fazenda fizeram chegar ao ministro Mantega, no mês passado, uma tabela comparando o custo financeiro imposto aos Estados e municípios, nas dívidas renegociadas, e a Selic. A tabela mostra que a Selic acumulada de dezembro de 1997 a dezembro de 2010 foi de 691,73%. No mesmo período, o custo financeiro representado por IGP-DI mais 9% ao ano foi de 882,69%. O custo de IGP-DI mais 7,5% ao ano foi de 709,69% e o do IGP-DI mais 6% ao ano, de 567%. Na avaliação dos secretários, está ocorrendo atualmente uma transferência de renda dos Estados e municípios para a União, por conta dos contratos das dívidas renegociadas.

O assunto está sendo discutido no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne os secretários estaduais de Fazenda, os quais já alinhavaram uma proposta que pretendem levar ao ministro Mantega. A proposta prevê trocar o IGP-DI pelo IPCA, como indexador dos contratos, e reduzir o limite de comprometimento da receita corrente líquida de Estados e municípios com o pagamento de dívidas renegociadas. A maior parte de Estados e municípios paga até 11,5% de sua receita líquida para a União. Mas alguns deles pagam 15% e até mesmo 18%.

Na CAE, Mantega disse que está aberto a essa discussão. "O ideal seria trocar o IGP-DI pelo IPCA", disse o ministro aos senadores. "O problema é que a Lei de Responsabilidade Fiscal impede uma nova renegociação das dívidas", lembrou, ao se referir ao artigo 35 da LRF. O secretário de Fazenda de Goiás, Simão Cirineu Dias, considera que essa questão terá que ser enfrentada. "Se for para resolver o problema, teremos que mudar a LRF", disse a este colunista. Esse é o tema que está colocado na mesa de discussão, no aniversário de 11 anos do dispositivo legal que mudou a cara do setor público brasileiro. O receio é de que, ao alterar a lei para resolver um problema específico (mudar o indexador dos contratos), outras questões peguem carona.

Ribamar Oliveira é repórter especial em Brasília e escreve às quintas-feiras

E-mail ribamar.oliveira@valor.com.br 

Retirado do Luis Nassif

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