domingo, 29 de maio de 2011

O problema da falta de professores nas escolas estaduais e o currículo unificado

Reproduzo abaixo matéria do jornal Tribuna do Norte:


Escolas não têm currículo unificado

Uma outra questão que contribui com a dificuldade de repor aulas perdidas por falta de professores é a ausência de um currículo único. A Secretaria Estadual de Educação publicou na última semana o currículo unificado do Ensino Médio, mas até então não havia parâmetros fixos para determinar quantas aulas e de quais disciplinas cada série do Ensino Médio deveria ter. Dessa forma, nem mesmo os professores sabiam o que deveria ser ministrado e muitas vezes o sumário do livro didático era usado como “currículo”, segundo a pedagoga Cláudia Santa Rosa.
Rodrigo SenaAlunos ficam sem aulas enquanto secretaria não providencia professores para diversas disciplinasAlunos ficam sem aulas enquanto secretaria não providencia professores para diversas disciplinas
“Esse é um ponto do qual os professores reclamam bastante: se não tem um currículo único, eles ficam sem embasamento para saber o que será ministrado”, relata a pedagoga. Cláudia Santa Rosa diz ainda que os parâmetros curriculares do Ministério da Educação não eram suficientes para sistematizar a educação em nível de Estado. Por exemplo, o MEC determina a integralização de pelo menos 2,4 mil horas de aulas no Ensino Médio, mas não fixa a quantidade exata por série.  “O Ensino Médio não foi formatado, concebido, a partir de disciplinas, mas a partir de áreas do conhecimento. As escolas é que trabalham a partir de disciplinas porque os professores são contratados seguindo esse critério”, explica a secretária Betânia Ramalho.

Com a formatação de um currículo único, a Secretaria de Educação poderá inclusive identificar possíveis locais com “mão de obra excedente”. “Agora, poderemos ter certeza de onde falta e onda sobra oferta de determinadas disciplinas e será mais fácil remanejar isso. Esse é um ponto importante, fundamental, que a Secretaria de Educação está providenciando depois de muito tempo de promessa. É preciso uma definição para ter controle, sem autoritarismo, respeitando a autonomia da escola”, diz Auxiliadora Albano, subcoordenadora de Inspeção Escolar.

Isso não significa que o problema da falta de professores, que compromete a continuidade do aprendizado dos alunos, será resolvido a curto prazo. Segundo Auxiliadora Albano, há questões estruturais mais sérias incidindo sobre o problema. Uma delas é carência de professores. “O problema nesse caso não é falta de dinheiro, mas falta de mão de obra mesmo. Acabamos completando com estagiários porque não há professores suficientes”, lamenta.

A equação é conhecida: salário baixo e trabalho insalubre viram pouca procura pela formação de professor nas faculdades e universidades e, por sua vez, essa baixa procura implica em poucos professores no mercado. “Antes, o sistema não era universalizado. Depois que todo município e estado foi obrigado a prover educação para todos, a formação de professores não acabou não acompanhando o processo”, contextualiza.

Aulas perdidas prejudicam alunos da rede

O Colégio Atheneu, um dos mais tradicionais da cidade, não chegou ao cúmulo de passar o ano inteiro sem professor em uma ou mais disciplinas. Mas permanecer meses sem aula em um determinado horário é algo comum. Por licença médica ou porque realmente começou o ano letivo e não havia professor disponível, os alunos permanecem sem aula. E com o agravante de não haver sequer condição legal de repor essas aulas a contento, a não ser que a Secretaria de Educação contrate um professor especificamente para isso.

Bartolomeu Silva é vice-diretor do Atheneu e afirma que as aulas perdidas quando o professor é designado para o cargo não são repostas. “Quando há greve, tudo bem, os professores tentam repor embora seja muito difícil. Mas se o professor é contratado em maio, por exemplo, não há obrigatoriedade de dar o conteúdo anterior. Ele pode passar um trabalho ou fazer uma prova para recuperar a nota. Mas a aula mesmo não é reposta”, explica Bartolomeu. Falta de professores por alguns meses é mais comum do que pelo ano letivo inteiro.

Para Cláudia Santa Rosa mesmo quando a ausência é por semanas ou meses, as perdas são irreparáveis. “Perde-se a sistematização do conteúdo. A própria greve traz isso, porque as aulas aos sábados não têm a mesma freqüência do horário normal”, diz, acrescentando que esse é um dos principais motivos para o abismo entre a escola de ensino básico pública e as universidades públicas. “No Ensino Fundamental e Médio, 85% dos alunos são de escolas públicas. Mas no Ensino Superior, apenas 15% das vagas são preenchidas por alunos do ensino público. O que está no meio do caminho é a precarização do ensino público básico”, complementa. 

Bate-papo

» Betânia Ramalho, Secretária de Educação

Quais os benefícios da unificação do currículo?

Esse currículo já estava de certa forma em vigor. Então, temos um documento orientador que serve de referência para os professores e escolas. São necessários ajustes para adequá-lo aos referenciais curriculares e pretendemos também novas revisões para deixar mais claro os objetivos, as metas dessas diretrizes.

Antes as escolas tinham liberdade para decidir a quantidade de aulas em cada disciplina?

Como estou na secretaria há quatro meses, não tenho como falar. Mas é bom lembrar que o Ensino Médio não foi formatado, concebido, a partir de disciplinas, mas a partir de áreas do conhecimento. São três áreas: ciências exatas e naturais, linguagem e ciências humanas e sociais. As escolas é que trabalham a partir de disciplinas porque os professores são contratados seguindo esse critério.

Temos casos de alunos que passaram até um ano letivo inteiro sem professor em algumas disciplinas. Como lidar com isso?

Essa é uma realidade que nós encontramos e reflete a descontinuidade das políticas de educação do Estado nos últimos anos. O que estamos procurando é promover “aulões” para que o aluno tenha acesso aos conteúdos.

Mas mesmo assim há perdas em relação ao aluno que acompanha a disciplina durante todo o ano letivo.

Sim, com certeza. Não se recupera o tempo perdido. E é justamente por isso que não concordamos com essa greve. Não se resolve os problemas da noite para o dia. Estamos chegando agora e o Estado não teve uma política contínua. Foram 10 secretários em oito anos. Precisamos de tempo.

Tribuna do Norte

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