Incendiando as ruas do Rio
Em greve há dois meses, bombeiros ocupam Quartel Central, e governo responde com violência. Movimento ganha força
Leandro Uchoas
do Rio de Janeiro (RJ)
Eles já estavam paralisados desde o início de abril, e as reivindicações eram muitas. As principais, signifi cativo aumento salarial, vale transporte e melhoria de condições de trabalho. Após muitos atos de protesto e violenta repressão, incluindo a prisão de seis lideranças apenas por organizar manifestações, nenhum avanço conseguiram nas negociações. Até a CNN já noticiara a luta, classificando como ditadura o que ocorria no Rio, e questionando a capacidade da cidade de sediar megaeventos esportivos. O que era inevitável acabou por ocorrer na sexta-feira, 3 de junho. Durante aquela noite, os bombeiros em greve ocuparam o Quartel Central da corporação, próximo ao centro do Rio de Janeiro. A partir de então, dariam uma aula de resistência, enquanto o governo do Estado ofereceria lamentáveis lições de criminalização de movimentos sociais.
No início da manhã de sábado (4), o protesto tomou contornos de um filme ficcional. O Batalhão de Operações Especiais (Bope) explodiu o portão dos fundos do Quartel Central, e o invadiu. Os policiais atiraram balas de efeito moral e prenderam 439 manifestantes. Bombas de gás lacrimogêneo também foram utilizadas, assustando a multidão que já se formava em frente ao prédio. Cinco crianças saíram feridas.
Apoio popular
De nada adiantou o ex-capitão do Bope, Rodrigo Pimentel, defender a ação na Rede Globo, onde é comentarista de luxo. Nas ruas, a população comprou imediatamente a luta dos bombeiros. Na sequência, os presos foram transferidos para um campo de futebol, onde formaram uma fi gura que se tornou símbolo do movimento, a sigla SOS.
Pouco depois, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), exonerou o comandante-geral do Corpo de Bombeiros, coronel Pedro Marcos Machado. Irritado, durante entrevista coletiva, em discurso forte – e bastante infeliz –, chamou os manifestantes de vândalos. “A declaração foi irresponsável, um desrespeito que nenhum trabalhador merece receber”, protestou o cabo Gilberto Batista, promovido a liderança após a prisão dos líderes oficiais. Cabral focou suas críticas no fato de terem sido levadas crianças para a região do protesto, por entender que, conforme divulgou em nota, “invasão, por si só, já é um confronto”. As duras palavras de Cabral e a forte repressão policial apenas fizeram a luta crescer. Mesmo sem as lideranças, presas, os bombeiros organizaram novos protestos nos dias que se seguiram. Ainda no sábado foram duas grandes manifestações.
Lenço vermelho
No domingo (5), algumas pessoas já circulavam com lenços vermelhos nas ruas, ou colocavam panos da mesma cor nas janelas. À noite, pouco após Cabral divulgar a nota classificando como crime o episódio, um grupo de 50 bombeiros organizou um ato na altura do vão central da ponte Rio Niterói. Os manifestantes desceram de um ônibus carregando faixas e cartazes de protestos. Caminharam pela ponte durante algum tempo, exibindo aos que passavam suas reivindicações. Depois retornaram ao ônibus. Nesse momento, já se organizava na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), principal palco da greve, uma vigília.
Transferidos para Niterói em dez ônibus, os presos foram recebidos com festa nas ruas e no quartel. Aplausos, fogos e gritos de “heroi” se destacavam. Os presos desceram dos ônibus de mãos dadas, com o grito “bombeiro é heroi”. Na segunda-feira (6), a Alerj amanheceu tomada, e o protesto foi ganhando a adesão de sindicalistas parceiros, estudantes, professores e outros militantes. Líderes sindicais vieram de outros estados. Sete deputados estaduais se solidarizaram, de um total de 70 – Cabral tem uma as maiores bases governistas do passado recente da Alerj. Atendendo às reivindicações pelo Twitter e Facebook, muitos usavam camisas vermelhas e lenços. O protesto atravessou o dia, chegando a um pico de 1.500 pessoas presentes. Aumentaram, na cidade, os lenços e panos vermelhos nas janelas. Comenta-se que os professores da rede estadual, que ganham menos do que os bombeiros, podem também paralisar suas atividades.
Solidariedade
As novas lideranças divulgaram informação de que policiais que se negaram a reprimir a ocupação do quartel, na sexta-feira, estariam presos. A deputada Janira Rocha (PSOL-RJ), que vinha acompanhando a greve desde o início, afirmou que os bombeiros de Miami, nos EUA, paralisaram suas atividades por uma hora, em solidariedade. Em outros países, como a Espanha, já se articulava medida semelhante. A essa altura, a luta pela libertação dos 439 já havia ganho centralidade. Presente no ato, o deputado distrital Cabo Patrício (PT-DF), presidente da Câmara Distrital, que liderou em Brasília protesto semelhante, anunciou caravanas de solidariedade.
Os bombeiros fluminenses ganham em torno de R$ 950 por mês, salário mais baixo do Brasil. Corresponde a cerca de um terço do que se ganha em Brasília, e menos da metade do valor em São Paulo. Reivindicam, pelo menos, R$ 2 mil. Também querem vale-transporte, e melhores condições de trabalho. Segundo o cabo Bevenuto Daciolo, a estrutura da corporação “é um caos. Nós estamos passando por um estado de emergência, de calamidade”. O governador nega essas acusações. “Desde a existência do Estado do Rio de Janeiro que o Corpo de Bombeiros não vê o número de equipamentos, de condições de trabalho, de instrumentos de trabalho, que recebeu nos últimos quatro anos”, defende-se. Os dados não confirmam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário