por Conceição Lemes
No sábado, 4 de junho, após a prisão dos 439 bombeiros militares e alguns familiares no Rio de Janeiro, Marcio H. Silva, o leitor do Viomundo, postou este comentário.
Àquela altura seu filho e a esposa (é civil, acompanhava-o na manifestação), estavam presos na Corregedoria da Polícia Militar de Niteroi, Rio de Janeiro. Ainda no sábado, por volta de 22h, eu conversei com o Marcio por telefone. Bastante preocupado, ele estava a caminho da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), onde um acampamento de solidariedade havia sido montado. Voltamos a conversar hoje.
Marcio H. Silva – Minha nora foi liberada nesse domingo, por volta de 11h. Neste momento, meu filho e todo o grupo estão presos no quartel dos Bombeiros Militares de Jurujuba, Niteroi. Como agora estão “em casa”, estão sendo bem tratados. Receberam alimentação digna, roupas de cama limpas…O duro foi até ontem, domingo, quando ficaram presos, confinados, dentro de micro-ônibus da PM. No pátio da Corregedoria, em Niteroi, havia cerca de 14 micro-ônibus estacionados, cheio de bombeiros.
Viomundo – É verdade que a intenção era prender só alguns bombeiros?
Marcio H. Silva – É, sim. Acompanhados de familiares, os bombeiros entraram no quartel central às 21h30 de sexta-feira. No sábado, às 6h, agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) invadiram essas dependências.
Eles queriam prender somente os 12 líderes do movimento. O grupo não concordou, pois provavelmente os 12 seriam retaliados. Negociou-se com o BOPE a prisão de todos os que estavam no local. Todo o grupo foi transferido para a Corregedoria da PM em Niteroi, onde foi mantido em micro-ônibus até ontem.
Viomundo – Como foram tratados na Corregedoria de Niteroi?
Marcio H. Silva — Muito mal. Eles ficaram confinados dentro dos micro-ônibus, só podiam sair para ir ao banheiro. Vira-e-mexe um coronel e vários oficiais da PM entravam nos ônibus, para aterrorizá-los. Diziam que eles poderiam podiam pegar de 8 a 12 anos de prisão por motim, recusa de atendimento e depredação de prédio público.
No sábado, receberam uma ração fria à tarde e outra às 2 da madrugada de domingo. Havia pouca água para beber. Os banheiros não tinham papel higiênico. Todos os presos foram fichados e pressionados – muitas vezes ! – para assinar documentos, admitindo culpa. Eles se recusaram. Por celular, falei para meu filho: não assine nada, nem com arma na cabeça!
Apenas no sábado à noite foi permitida a entrada da Defensoria Pública. A partir daí, eles passaram a ser orientados pelos advogados.
Eu e minha mulher passamos a noite toda de sábado, do lado de fora da Corregedoria. Levei roupas, agasalhos, alimentos, papel higiênico, escova e pasta de dentes, mas o coronel da PM não permitiu a entrega desses produtos para meu filho e sua esposa (civil), que estava presa junto. No domingo, por volta de 10h,talvez porque o número de jornalistas já fosse muito grande, foi autorizada a entrega desses materiais, pela grade da Corregedoria. Às 11h soltaram quatro esposas e um filho (menor) de bombeiro que estavam presos. Só depois foi permitido aos bombeiros tomar banho e mudar de roupa. Às 13h de domingo, escoltados pelo batalhão de choque da PM, eles foram transferidos para o quartel de Bombeiros de Jurujuba.
Viomundo – O senhor já conversou com o seu filho depois que ele foi transferido?
Marcio H. Silva – Felizmente, ontem. Só conseguimos às 17h. Conseguimos acesso ordeiro em grupos de 15. Só podíamos ficar por 3 minutos, para que todos pudessem ter esse direito. Saímos mais tranqüilos, pois sabemos que ficaram em segurança.
Viomundo – Como foi recepção no quartel dos Bombeiros de Jurujuba?
Marcio H. Silva — Foram recebidos com fogos e aplausos da população vizinha ao quartel. Os moradores colocaram panos vermelhos nas janelas. Eles soltaram dos ônibus de mãos dadas, entoando a frase “não daremos um passo atrás”. Apesar de tudo, a moral estava alta. Após a entrada de todos os presos no quartel, eles se perfilaram e cantaram o hino nacional acompanhados pelos presentes. Muita emoção nessa hora. Os presos foram encaminhados para o refeitório e servida uma comida digna. Foi feita uma reunião com oficial e parentes.
Viomundo — No sábado, o senhor me contou que vários advogados apareceram na Corregedoria em Niteroi, querendo cobrar R$ 1500 por cabeça. Afinal, quem vai defendê-los?
Marcio H. Silva – Realmente, vários advogados queriam atender os presos cobrando R$1500,00 por cabeça. Orientei meu filho a não aceitar. Se for preciso, tenho advogado. Mas não será. A defesa deles vai ser feita pela Defensoria Pública e pela Comissão de Direitos Humanos da OAB- RJ. Eles também estão tendo apoio dos deputados estaduais Marcelo Freixo e Janira Rocha, do PSOL, Larissa Garotinho, do PR, e do senador Lindenberg Farias, PT.
Aliás, o senador Lindenberg Farias esteve em Jurujuba e conversou com os familiares e informou que estava marcando agenda com o Sérgio Cabral para conversar sobre o processo administrativo e criminal contra os presos. Considerou a posição do governador muito radical.
Ontem à noite conversei com o representante da OAB e o deputado Marcelo Freixo. Informei que civis e um menor foram detidos em quartel militar por mais de 24 horas. Ele solicitou relatório à minha nora para juntar ao processo que será movido contra o Governo do Estado.
Viomundo – Em nota, a OAB do Rio de Janeiro disse que os bombeiros erraram ao invadir o quartel. O senhor concorda?
Marcio H. Silva — Invasão de quartel é errado. O estatuto dos militares condena isso. Mas eles estavam numa situação limite, sem resposta do governo. Desde abril, desejavam negociar, mas não tiveram nenhuma resposta.
Eles foram ignorados pelo governador Sérgio Cabral (PMDB), que não teve sensibilidade política para negociar. E depois, na coletiva de imprensa, em vez de ajudar a apaziguar os ânimos, jogou mais lenha na fogueira ao chamá-los de vândalos, revoltando a classe e a população.
O que aconteceu foi que, como a liderança do governo do Estado não se manifestava, eles entraram em desespero. A manifestação tinha cunho pacífico. Ninguém é louco de levar família com filhos para uma manifestação, pensando em confronto e baderna. Quem destruiu o quartel foi o BOPE no momento da invasão. Só não morreu ninguém por obra de Deus. Dispararam tiro de fuzil do lado de fora e gás lacrimogêneo na sala em que estavam mulheres e crianças.
Soube que o Batalhão de Choque da Polícia Militar recebeu a ordem do governo de invadir e silenciar dois bombeiros, mas o pessoal do BOPE achou demais e invadiu seguindo o padrão. Há oficiais do BOPE presos porque a ordem não foi cumprida.
O comandante do Batalhão de Choque responsável pelos presos na Corregedoria quase foi preso pelo BOPE, no sábado à tarde, porque permitiu que eles saíssem dos ônibus e ficassem no pátio escrevendo SOS com o corpo. Só que os soldados falaram que se o comandante fosse preso, eles entregariam as armas e se juntariam aos bombeiros. Aí, pessoal do BOPE recuou e não prendeu o comandante.
Viomundo – Que ordem o BOPE recebeu e não executou? O que significa silenciar dois bombeiros?
Marcio H. Silva — Invadir e acabar com a manifestação usando muita violência, mesmo com a presença de mulheres e crianças no quartel central. Silenciar dois bombeiros, cada um entenda como quiser…
Viomundo – Como soube disso tudo?
Marcio H. Silva – Pela minha nora, que estava presa na Corregedoria. Ela acompanhou e escutou toda a movimentação lá dentro.
Viomundo – Quanto ganha um bombeiro atualmente?
Marcio H. Silva — Soldado, caso do meu filho, R$ 1.031 bruto e R$ 980,00 líquido. Mas, no contracheque, o salário básico é R$ 380,00. Chega a R$ 1.031 com as gratificações. Por exemplo, meu filho é guarda-vidas e recebe uma gratificação por ser GV. Meu filho fez prova do PRONASCI, por isso recebe ajuda do Governo Federal de mais 350,00. Peço aos leitores do site que entrem no site do PRONASCI e entendam este programa criado no Governo Lula, o cara.
Viomundo – O que os bombeiros reivindicam?
Marcio H. Silva — Salário básico de R$ 2.000 para soldado bombeiro militar, vale-transporte — eles não têm esse direito que o mais humilde dos operários do Brasil tem.
Veja só a situação. Meu filho é guarda-vidas e fica exposto ao sol, principalmente no verão. Sabe quantos tubos de protetor solar ele recebe por ano? UM apenas!!! É um absurdo. Os guarda-vidas não têm equipamentos de primeiros socorros, como pé-de-pato e prancha. Se alguém se afoga, eles só têm condição de retirar a vítima do mar e esperar a ambulância chegar. Não têm equipamento de ressuscitação nem de primeiros socorros.
Viomundo — O senhor disse que o culpado dessa situação é o governador Sérgio Cabral. Por quê?
Marcio H. Silva – Ele nunca quis negociar com os bombeiros, ele não gosta dos bombeiros guarda-vidas porque foi vaiado em um evento por eles. Na TV, ele afirma que há um programa de aumento progressivo em 48 meses de 1% ao mês. Ao mesmo tempo, falou que, em dezembro de 2011, os bombeiros estarão ganhando R$ 2.000,00. É só fazer as contas para descobrir que esta afirmação é falsa.
Viomundo – Mas o governador Sérgio Cabral chegou a dizer que no final de 2011 os bombeiros estariam ganhando R$ 2.000… Por favor, explique essa história de 1% ao mês.
Marcio H. Silva – Saiu na imprensa do Rio de Janeiro. O governo do Estado assinou um decreto que dá aumento de 1% ao mês em 48 meses até 2014. Na infeliz coletiva do sábado, ele afirmou que os bombeiros chegariam ao salário pleiteado de R$ 2.000 em dezembro de 2011. Com 1% ao mês, como é possível? É só fazer as contas e verificar que o valor de R$ 2.000 só será atingido em 2014.
Viomundo – O senhor disse que o governador teria bronca dos bombeiros. O que aconteceu?
Marcio H. Silva – Ele foi vaiado pelos guarda-vidas no Maracanãzinho, em 2009, durante o lançamento do programa de dengue. Exatamente por que eu não sei, mas que ele foi vaiado pelos bombeiros guarda-vidas, foi.
PS do Viomundo: No Rio de Janeiro, bombeiro tem outro significado: encanador. A reportagem diz respeito aos bombeiros militares. No caso do filho do Marcio, ele é um bombeiro militar guarda-vidas. Tem como funções realizar plantão nas praias e proteger os banhistas se houver afogamento. Também sinalizar as praias em caso de correntezas e alertar sobre perigos e situação do mar no dia. Os que apagam incêndio, socorrem em deslizamentos, enchentes, acidentes de trânsito, remoção de cadáveres, ambulâncias da SAMU e fazem vistoria predial para habite-se são os bombeiros militares combatentes.
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