Jornal do Brasil - 30/06/2010
O ex-governador José Serra, em discurso na convenção do PSDB que aprovou seu nome como candidato à sucessão de Lula, mostrou desconhecer quando a história se torna presente no espaço. Sua fala aparenta ser prisioneira de um passado que, por não poder ser explicitado para eleitores mais jovens, ameaça voltar-se contra ele.
Ao dizer que “não tenho esquemas, não tenho máquinas oficiais, não tenho patotas corporativas e não tenho padrinhos”, Serra tenta, em vão, esconder de onde vem e quais são suas companhias. Tanto o PSDB quanto o PFL, partidos da coligação vencedora da sucessão eleitoral em 1994 e 1998, foram criaturas concebidas e direcionadas a fim de se tornarem instrumentos viabilizadores das velhas elites no sistema político hegemonizado pelo neoliberalismo. O ex-governador paulista, velho militante da AP, ressurgiu como ator de relevo no bojo da velha conciliação negociada.
É isso que faz dele o ator antagônico das novas formas de articulação entre o Estado e a sociedade civil, forjadas nos últimos oito anos de governo Lula. O tucanato representa uma época em que qualquer demanda coletiva, mesmo quando meramente setorial, encontrava barreiras quase intransponíveis na desorganização e apodrecimento dos aparelhos institucionais do Estado cartorial, submetido aos ditames do mercado.
Quando compara, de forma jocosa, Lula a Luís XIV, Serra incorre em dois erros perigosos. O primeiro mostra a indigência política de sua maneira de ver o país. O segundo traz à cena o “padrinho” que precisa ser ocultado. O desmantelamento do consórcio tucano-pefelista combinou ampliação da participação com fortalecimento institucional. O presidente petista não expressou a ameaça de uma via personalista, carismática, na qual a institucionalidade se enfraqueceu e a participação popular aumentou de forma abrupta e inorgânica
Pelo contrário, dialogando com movimentos sociais, a inclusão de novos atores se deu de forma consistente, sem prejuízo do Estado democrático de direito. Antes o reforçou, na medida em que conferiu maior densidade e vitalidade aos partidos políticos, entidades de classe e ao próprio processo eleitoral.
A alusão ao monarca absolutista, a quem se atribui a frase “L"État c"est moi”, não só não guarda sintonia com o momento de avanços democráticos em que vivemos como remete à genealogia política do candidato da Rede Globo, revelando o apadrinhamento rejeitado. Sim, Serra não é pouca coisa. Pontificou como gente grande no poder quando o Palácio do Planalto, no início do governo de FHC, parecia o de Lourenço, o Magnífico, fino poeta e protetor das artes em Florença. Ele permitiu a falência do banco dos Médicis.
No segundo mandato, o Planalto ficou parecido com o palácio de Lorenzaccio, príncipe intrigante e sem prestígio, que assassinou o primo Alexandre e depois foi assassinado também
Na trama palaciana do tucanato, um forte componente de sua personalidade era o orgulho e alta conta em que tinha a si mesmo. O que mais temia, no entanto, ocorreu: passou à história como um fracassado na economia e um fiasco na política, tolerante com os desmandos de seus aliados e com a corrupção. Esse é o legado que Serra, com o apoio da grande mídia corporativa e do Judiciário partidarizado, pretende resgatar. Será isso o que queremos?
Gilson Caroni Filho é sociólogo.
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